O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, divulgou dados falsos sobre o orçamento do Ministério do Meio Ambiente em audiência na Câmara nesta segunda-feira (03/05). Questionado por deputados, ele voltou a mentir sobre o motivo da paralisação do Fundo Amazônia desde 2019, acusando falsamente o governo da Noruega. Salles recusou-se a responder perguntas sobre a acusação de favorecer madeireiros feita pela Polícia Federal em notícia-crime encaminhada ao Supremo Tribunal Federal no mês passado.
Confira a seguir a verificação de respostas do ministro.
“O maior estrangulamento orçamentário da história do Ministério do Meio Ambiente se deu na passagem dos anos de 2013 para 2015, quando o orçamento saiu do volume de R$ 14 bilhões e veio para R$ 4 bilhões, muito próximo do que foi esse ano. Essa queda de metade e depois de um terço aconteceu nos governos do PT, não foi no governo Bolsonaro. Quem reduziu o orçamento do Ministério do Meio Ambiente em um terço foi o governo do PT.”
FALSO
Dados obtidos no sistema Siga Brasil, do Senado, mostram que o orçamento autorizado para o Ministério do Meio Ambiente em 2013 foi de R$ 7,2 bilhões, em valores atualizados pelo IPCA, e não de R$ 14 bilhões. Em 2015, o orçamento autorizado foi de R$ 4,5 bilhões, o que representa uma redução de 37% em relação a 2013, e não de 70%, como afirmou o ministro. O orçamento autorizado para o Ministério do Meio Ambiente em 2021 é de R$ 1,8 bilhão, e não próximo de R$ 4 bilhões, como afirmou Salles. Isso representa uma redução de 75% em relação a 2013 e de 55% em relação a 2019. Análise do Observatório do Clima havia mostrado em janeiro que o orçamento proposto pelo governo para 2021 era o menor das últimas duas décadas.
“O Fundo Amazônia não está sendo usado porque a Noruega foi quem determinou a paralisação.”
FALSO
O Fundo Amazônia está paralisado porque um decreto do presidente Jair Bolsonaro de abril de 2019 extinguiu o seu Comitê Orientador, que estabelecia os critérios e diretrizes para aplicação dos recursos. Isso comprometeu a governança do fundo, descumprindo acordo entre o Brasil e os países doadores (Noruega e Alemanha) e impossibilitando novos repasses.
Além disso, o desmatamento na Amazônia superou o limite de referência de 8.143 km2 nos anos de 2019 e 2020 – este é o critério para que haja novos aportes. O desmatamento atingiu 10.129 km2 em 2019 e 11.088 km2 em 2020, segundo o Inpe, bem acima da linha de corte prevista no acordo do Brasil com os países doadores.
Mesmo sem novos aportes, R$ 2,9 bilhões já doados para o fundo estão parados no BNDES desde o início de 2019, e o governo é questionado no STF por isso (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n° 59).
“O desmatamento está muito ligado à ausência de oportunidades na região. (…) É uma região que tem setores produtivos, mas que sofre muito com uma série de interpretações equivocadas, excesso de imposição de restrições, excesso de imposições de multas, e o que acaba gerando com isso é um desemprego e uma pobreza que por sua vez gera desrespeito ao meio ambiente.”
FALSO
Na verdade, o desmatamento é feito sobretudo por quadrilhas de invasores de terras, em operações bem financiadas, por vezes comandadas do Sudeste – um dos maiores desmatadores da história recente da Amazônia é filho de um rico e tradicional pecuarista de São Paulo. Segundo o MPF e o Ibama, o empresário foi responsável pelo desmate de 33 mil hectares de florestas no Pará, área equivalente ao território de Belo Horizonte (MG), em esquema criminoso que movimentou pelo menos R$ 1,9 bilhão. Empresários catarinenses são investigados pela Polícia Federal na maior apreensão de madeira ilegal da Amazônia, que resultou em notícia-crime contra Salles.
Desmatar custa caro: de R$ 200 a R$ 2 mil por hectare derrubado. Produtores pobres, que só contam com a própria mão de obra, não conseguem abrir grandes áreas, aponta o pesquisador Raoni Rajão, da UFMG. Segundo ele, desmatamentos em blocos de até 6,25 hectares não superaram 7% da área desmatada total. Por outro lado, a maior parte do aumento do desmatamento total nos últimos anos tem ocorrido em blocos de 25 a 100 hectares e maiores de 100 ha, acrescenta o cientista. Além disso, análise do perfil no Cadastro Ambiental Rural (CAR) dos imóveis que mais desmatam mostra que apenas 2% dos médios e grandes concentram 62% de todo desmatamento potencialmente ilegal pós 2008 na Amazônia e no Cerrado.
“Quantos países ricos, até concorrentes nossos no agro, segregam parte de suas áreas produtivas para a reserva legal? Eu arrisco dizer que próximo de zero. E o Brasil, ao contrário, mantém a reserva legal, no bioma Amazônia 80%, 35% no Cerrado e 20% nos demais biomas.”
FALACIOSO
Um estudo de 2011 do Imazon e Proforest mostra que pelo menos outros 11 países têm requisitos legais rigorosos para que agricultores mantenham florestas dentro de suas propriedades. Esse requisito é conhecido no Brasil como “reserva legal”. Outros países, como a África do Sul, exigem que matas ciliares sejam preservadas às custas do proprietário para proteger bacias hidrográficas.
Análise de 389 mil imóveis na Amazônia revelou que a regra de preservar a mata nativa em 80% das terras não vale para todos os produtores rurais. O Código Florestal prevê uma série de exceções à reserva legal, que se aplicam a aproximadamente quatro de cada cinco propriedades estudadas. Na prática, apenas 22,75% dos 389 mil imóveis estão obrigados a manter a floresta de pé em 80% de sua área. Uma proposta de lei para acabar com a reserva legal foi apresentada pelo filho senador do presidente Jair Bolsonaro, Flávio Bolsonaro.
Sobre a obrigação de cumprir o código florestal, o último boletim do Cadastro Ambiental Rural (CAR) revela que até 31 de dezembro de 2020 havia 3,9 milhões de requerimentos de adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). Ou seja, considerando o total de registros no CAR (7 milhões), é possível inferir que mais da metade (55%) dos imóveis rurais no país não cumpre o código florestal, apresentando alguma irregularidade relacionada apenas às áreas de reserva legal, de preservação permanente e de uso restrito.
O código florestal aprovado em 2012 anistiou multas por desmatamentos ocorridos até 22 de julho de 2008, entre outros benefícios a produtores rurais. No entanto, para que a anistia tenha efeito, os produtores devem recuperar as áreas de reserva legal, de preservação permanente e de uso restrito desmatadas até aquela data, por meio da adesão ao PRA.
“Temos as multas do Ibama que, segundo relatório da CGU de março de 2019, portanto se refere ao ano de 2018 para trás, os processos administrativos do Ibama levam em média 7 anos para serem concluídos, e mais 5 para começar a cobrar as multas. Portanto, o modelo vigente, que nós estamos tentando arrumar com o decreto de conciliação ambiental e uma série de medidas que estão sendo implementadas desde então, é para reverter uma situação caótica anterior.”
NÃO É BEM ASSIM
Relatório da CGU de abril de 2019 aponta “ineficiência” do modelo de processamento dos autos de infração do Ibama, mas outro relatório da CGU, de novembro de 2020, mostra que a situação piorou no governo Bolsonaro. O número de processos concluídos pelo Ibama despencou na gestão Salles.
De 2013 a 2017 foram realizados em média 21 mil julgamentos por ano. Já em 2020, de janeiro a agosto, houve apenas 1.600 julgamentos, uma redução de 88%, aponta a CGU.
Documento do Ibama divulgado nesta quarta (05/05) confirma a queda ao longo de 2020: foram julgados 5.522 processos, contra 20,7 mil em 2019 e 23,8 mil em 2018.
De acordo com o relatório da CGU citado por Salles, a duração dos processos do Ibama até sua conclusão foi, em média, de cinco anos e dois meses entre 2013 e 2017.
No entanto, a situação havia melhorado até a eleição de Bolsonaro. De acordo com Relatório de Gestão do Ibama assinado em 2019 pelo presidente Eduardo Bim, nomeado na gestão Bolsonaro, o tempo médio entre a autuação e o julgamento dos autos de infração em última instância foi de 3 anos e 3 meses em 2018, último ano do governo Temer.
A conciliação de multas, criada por Salles há dois anos, instituiu mais uma instância no já demorado processo de pagamento de multas ambientais. A justificativa foi a possibilidade de fazer audiências com autuados que levassem ao pagamento da multa com desconto de 60% sem a necessidade de contestação. Na prática, a medida paralisou a cobrança de multas.
Levantamento realizado pelo Observatório do Clima por meio da Lei de Acesso à Informação em agosto de 2020 mostra que o Ibama havia realizado até então apenas cinco audiências de um total de 7.205 agendadas desde abril de 2019. Em dois anos, só 1,7% dos autos aplicados pelo Ibama passou por audiências de conciliação, revela o documento divulgado nesta quarta (05/05). Essa paralisia também está é questionada no STF por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 755.
Especialistas apontam que a falta de profissionais é um dos principais problemas do Ibama. No entanto, o governo Bolsonaro não atendeu pedidos para realização de concurso público – em maio de 2020, o Ibama solicitou a contratação de 2.311 servidores.
No mês passado, uma norma publicada por Salles paralisou a fiscalização do Ibama, segundo denúncia assinada por mais de 600 servidores. Atualmente a coordenação responsável gerir os julgamentos e a divisão responsável pela conciliação estão sem chefe e sem substitutos.
“Desde 2012 o desmatamento está subindo. Portanto, a tendência não foi revertida por mim. A tendência era de subida. Estamos experimentando há 9 anos o aumento do desmatamento.”
VERDADE, MAS
Embora haja de fato uma tendência de alta no desmatamento desde 2012, quando o novo Código Florestal, aprovado pela bancada ruralista, deu uma enorme sinalização de impunidade ao anistiar desmatadores, no governo Bolsonaro a devastação mudou de patamar devido à ausência de controle. Entre 2013 e 2018, a média verificada foi de 6.300 km2 por ano. Nos anos do governo Bolsonaro, 2019 e 2020, ela foi de 10.600 km2 – um aumento de 68%.