Em resposta ao presidente da França, Emmanuel Macron, que ameaçou boicotar a soja brasileira em razão do desmatamento da Amazônia, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) afirmou em nota nesta terça-feira (12/01) que “a soja produzida no bioma Amazônia no Brasil é livre de desmatamento desde 2008 graças à Moratória da Soja, iniciativa internacionalmente reconhecida que monitora, identifica e bloqueia a aquisição de soja produzida em área desmatada no bioma, garantindo risco zero do envio de soja de área desmatada (legal ou ilegal) deste bioma para mercados internacionais”.
No mesmo tom, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) afirmou, em nota divulgada no dia seguinte, que “a soja brasileira não exporta desmatamento”.
A Moratória da Soja, uma iniciativa de ONGs ambientais com participação da Abiove e da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), tem de fato contribuído para reduzir a pressão sobre a floresta amazônica, mas isso não significa soja “livre” de desmatamento, nem que há “risco zero” de exportação de soja de áreas desmatadas no bioma ou que “a soja brasileira não exporta desmatamento”.
Segundo pesquisa publicada recentemente na Science, uma das mais importantes revistas científicas, cerca 20% da soja dos biomas Amazônia e Cerrado exportada para a União Europeia foi produzida em imóveis rurais que desmataram entre 2008 e 2018, desrespeitando o código florestal. O levantamento foi feito com base em informações declaradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e dados de exportação de soja.
Além disso, o estudo indica que 0,5 milhão de tonelada de soja da Amazônia é exportada para países europeus, contra 1,4 milhão de tonelada do Cerrado, embora esse bioma seja cinco vezes menor que a Amazônia. Isso reforça um problema que vem se agravando: o desmatamento no Cerrado, que em 2020 aumentou 13%, segundo o Inpe, totalizando quase 50% de eliminação da vegetação nativa do bioma.
A manifestação da Abiove ocorreu logo após Macron afirmar, no Twitter, que “continuar a depender da soja brasileira seria o mesmo que apoiar o desmatamento da Amazônia”. Em seguida, ele completou: “Somos coerentes com nossas ambições ecológicas, estamos lutando para produzir soja na Europa”. O presidente francês tem mantido posição contrária ao acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, sob alegação de que o Brasil precisa cumprir o Acordo de Paris e reduzir o desmatamento, gerando pressão sobre o governo Bolsonaro e acenando para agricultores locais.
Em 2019, o Brasil produziu 114 Mton de soja, das quais 28 Mton no bioma Amazônia e 40 Mton na Amazônia Legal (o que inclui o Cerrado de MT, MA e TO), aponta o professor da UFMG Raoni Rajão, um dos autores do estudo da Science, com dados do IBGE. Ou seja, a região é responsável por 25% a 35% da produção nacional, dependendo da definição territorial utilizada.
A exemplo da moratória da soja na Amazônia, ONGs têm pressionado as indústrias por um acordo para o Cerrado, com o objetivo de barrar a expansão da soja sobre a vegetação nativa. No entanto, após um longo período de tratativas, nenhum resultado concreto foi atingido. O governo, que participava dos grupos de trabalho e endossava a iniciativa voluntária, retirou-se das negociações na gestão Bolsonaro, sinalizando o desinteresse pelo combate ao desmatamento.
A moratória da soja começou a funcionar a partir de 2006, após forte pressão de ONGs sobre compradores internacionais, com o argumento de que eles estimulavam o desmatamento na Amazônia ao produzir a oleaginosa.
Para resolver o embate foi criado um grupo de trabalho e pactuado, entre as ONGs e a Abiove, que as indústrias não comprariam mais soja de produtores cuja área para produção no bioma Amazônia tenha sido desmatada após 2008, mesmo com autorização.
Foi criado um sistema de monitoramento privado com imagens de satélite nos principais municípios produtores de soja, que identifica quem descumpre as regras e bloqueia a compra por parte das indústrias.
De acordo com o último relatório sobre a moratória, divulgado em abril de 2020 (safra 2018/2019) pelo Grupo de Trabalho da Soja, 1,8% dos produtores de soja no bioma Amazônia estariam em desacordo, ou seja, desmataram após 2008. O documento também considera que após a implementação do acordo houve uma redução de 4,6 vezes da taxa média de desmatamento na Amazônia, atribuindo parte desse resultado à iniciativa. No entanto, segundo dados do Inpe, o desmatamento na Amazônia aumentou 34,5% em 2019 e 8,5% em 2018.
Na quinta-feira (14/1), Bolsonaro atacou o presidente francês, classificando suas declarações de “politicalha” e “campanha contra o Brasil”: “(…) Quanto de floresta tem a França? Porque eles falam tanto em reflorestamento, em dar dinheiro pra nós. Não tem que dar dinheiro pra nós, não, nós vamos dar mudas de árvores para você replantar, reflorestar aí (…)”. Ao contrário do Brasil, a França tem recuperado suas florestas desde o início da revolução industrial: em 1800 elas cobriam menos de 15% do território, hoje se aproximam dos 30%, mostrou o professor da UFMG.