Dias antes da viagem de ministros e do vice-presidente Hamilton Mourão com dez embaixadores a locais selecionados da Amazônia, nesta semana, o governo Bolsonaro iniciou uma campanha em redes sociais para divulgar “a verdade” sobre temas relacionados ao bioma.
Em formato de “checagem” de supostas “manchetes” de jornal, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República inventou notícias que nunca foram publicadas, frases que ninguém disse, e chegou a plagiar material usado por uma ONG ambientalista – que Jair Bolsonaro já acusou até de botar fogo na Amazônia – para rebater informações falsas. Sob o slogan ufanista “Brasil, o Gigante Verde”, também divulgou como mentirosos fatos amplamente divulgados, respaldados em estudos científicos. Nas respostas, tratadas como suposta verdade, a secretaria mistura informações corretas a mentiras, distorções, falácias e informações incompletas.
Em 30 de outubro, a Secom desmentiu a “manchete” “Produção agrícola brasileira prejudica o bioma amazônico”. Ao contrário do que afirma o governo, a notícia é verdadeira. Foi publicada não exatamente com esse título, mas o contexto está correto.
Estudo recente publicado na revista Science e divulgado pela imprensa mostrou que pelo menos um quinto da soja brasileira produzida na Amazônia e exportada para a União Europeia está contaminada com desmatamento ilegal. Entre os pontos para expor a “verdade”, o governo afirma que “a agropecuária de exportação não é feita na floresta amazônica, por ser inviável e inadequada”. A afirmação é falsa. Dados da Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura, mostram que 63% de toda a área desmatada na Amazônia está ocupada com pastagens.
No post seguinte foi apontada como mentirosa a afirmação de que “o Governo Federal não adota medidas de preservação e recuperação da Amazônia Legal”. Como elementos para afirmar que se trata de mentira e apontar a verdade, a Secom cita a “criação da Comissão Executiva para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa”. Também afirma que o país adota “política de tolerância zero (sic) aos crimes ambientais” e que o governo “trabalha em ações para reduzir o desmatamento de forma contínua e consistente”.
As afirmações omitem que a principal medida já executada Brasil para reduzir o desmatamento, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), foi abandonada pelo governo Bolsonaro.
A comissão executiva mencionada existia desde 2004, quando foi criado o PPCDAm, e foi extinta em 2019 por um decreto de Bolsonaro que acabou com diversas instâncias de governança no país. Depois de muitas críticas ela foi recriada, mas não apresentou nenhuma medida concreta até o momento, e seu papel concorre com o do Conselho Nacional da Amazônia, criado em 1993, que é coordenado por Mourão.
As única ações efetivamente realizadas fracassaram: o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que resultou no envio de militares para a Amazônia a partir de maio e tirou do Ibama o comando das ações de combate ao desmatamento, e o decreto de proibição das queimadas, assinado em julho. Dados de alertas do Inpe, por exemplo, mostram que a área desmatada em outubro foi a mais alta para o mês de toda a série histórica disponível, iniciada em 2015. Já as queimadas no bioma aumentaram 24% até 4 de novembro, na comparação com o mesmo período do ano anterior.
No dia 31/10, outro post da Secom divulgou como mentirosa uma “manchete” que não foi publicada por nenhum jornal: “O manejo florestal sustentável é prejudicial para o meio ambiente”.
A verdade apontada, de que “o manejo florestal sustentável é um modelo que permite a exploração racional com técnicas de mínimo impacto ambiental sobre a natureza”, é em essência verdadeira. No entanto, o governo Bolsonaro pouco fez para estimular essa atividade. O órgão responsável por isso, o Serviço Florestal Brasileiro, foi retirado do Ministério do Meio Ambiente no início de 2019, e desde então está vinculado ao Ministério da Agricultura. Dos 18 contratos de concessão florestal existentes hoje, somente dois foram assinados no governo Bolsonaro. Nenhum deles fica em área nova de concessão.
O programa exaltado pelo governo Bolsonaro como redenção para quem vive na floresta, o Floresta+, foi criado na gestão de Michel Temer com recursos internacionais decorrentes de queda do desmatamento ocorrida em governos do PT. Mostramos aqui que os US$ 96,5 milhões liberados de fundo do Acordo de Paris para o Floresta+ ficaram parados mais de um ano porque o ministro Ricardo Salles não queria beneficiar povos tradicionais, público alvo na concepção original do programa. Salles quer usar esse dinheiro para pagar a produtores rurais por manter áreas de reserva legal, obrigação prevista no Código Florestal.
No mesmo dia, outra publicação com manchete fictícia: “A legislação ambiental brasileira é flexível e cheia de falhas”.
Na “checagem”, a Secom afirma que o governo vem “aperfeiçoando a fiscalização e o combate ao desmatamento”, o que é falso. Todos os servidores experientes que eram responsáveis por essa função foram exonerados do ministério do Meio Ambiente, do Ibama e do ICMBio, e os resultados estão demonstrados na queda de 62% das multas ambientais na Amazônia e no aumento das taxas de desmatamento e de queimadas sob Bolsonaro.
Sobre a afirmação de que o Brasil possui uma das legislações ambientais “mais completas e rigorosas do mundo”, não é bem assim. Este estudo comparativo conclui que o Código Florestal brasileiro tem regras rigorosas, mas ainda não foi totalmente implementado. Aprovado em 2012, o código anistiou multas e outras sanções para todos os proprietários rurais que desmataram ilegalmente até julho de 2008.
Além disso, o governo Bolsonaro atua desde o início para enfraquecer e desmontar a legislação ambiental do país, o que ficou claro na célebre frase do ministro do Meio Ambiente sobre aproveitar a pandemia para “passar a boiada”.
No dia 1° de novembro, a Secom desmentiu o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno. Em julho de 2019, Heleno afirmou que “os dados de desmatamento na Amazônia são manipulados”. A acusação levou à demissão do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, que reagiu em defesa do Inpe. Agora, a Secom aponta a afirmação de Heleno como mentirosa, o que é verdade, e indica como “verdade” o que mostramos para desmentir a acusação do general: que o monitoramento do Inpe é considerado um dos melhores do mundo.
No post seguinte, a Secom copiou sem citar a fonte material divulgado em abril pelo WWF para ajudar a detectar mentiras e armadilhas que circulavam nas redes sociais. O texto é idêntico: “O manejo florestal sustentável promove a concentração de renda e a exclusão social”, o que realmente é mentira, e o fato: “a exploração dos recursos florestais de forma sustentável, na maioria das vezes pelas populações tradicionais, é um fator importante de geração de renda local e promoção do desenvolvimento sustentável”.
No dia 02/11, mais uma manchete inventada pela Secom, que neste caso faz sentido: “O Brasil não está comprometido em reduzir a emissão de gases do efeito estufa”. O setor de uso da terra (agropecuária e desmatamento) é responsável por cerca de 70% das emissões do país, e houve aumento do desmatamento em 2019 e 2020.
Já os argumentos usados para rebater a frase não contam toda a história. O Plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC) realmente é importante e foi responsável pela recuperação de 10 milhões de hectares de pastos degradados em uma década. Para chegar à conta de cerca de 40 milhões de hectares, a Secom possivelmente incluiu áreas em que houve apenas “melhora”, o que não significa recuperação. Além disso, o governo simplesmente não sabe se essas melhores práticas estão se revertendo em benefício para o clima, já que o país não computa nos seus inventários de emissões nem o carbono emitido por solos degradados, nem o sequestrado por pastagens bem manejadas.
Embora a recuperação dessas áreas melhore a produtividade e possibilite maior sustentabilidade da agropecuária, nesses mesmos dez anos foram desmatados cerca de 16 milhões de hectares de vegetação nativa na Amazônia e no cerrado, segundo o Inpe, e grande parte dessas áreas foi suprimida para dar lugar à agricultura e à pecuária. O desmatamento responde por quase metade das emissões de gases-estufa do Brasil e torna o país o sexto maior emissor de carbono do mundo.
O Plano ABC, mencionado pela Secom, de fato financia práticas agrícolas de baixa emissão. Mas ele corresponde a 1% do financiamento dado todo ano à agropecuária convencional. Nos últimos 10 anos foram disponibilizados em média R$ 1,7 bilhão por ano para o Plano ABC dentro do Plano Safra, que financia a agropecuária. O plano todo teve cerca R$ 170 bilhões por ano, em média.
O último post da série inventa uma notícia sobre queimadas para apontar como falsa (“O governo federal não investe na contratação de profissionais para conter os focos de incêndio no Brasil”) e omite a manchete verdadeira, de que houve atraso de quatro meses na contratação de brigadistas. As queimadas no Pantanal foram as piores da história.