O candidato Jair Bolsonaro (PL) afirmou no último sábado (15/10) que “não vai mais existir agricultura no Brasil” se Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vencer as eleições e tirar do papel a agenda ambiental apresentada por Marina Silva ao petista. É a retomada do discurso, já desmentido pela ciência, de que a legislação ambiental e as áreas protegidas impedem o agronegócio de crescer.
Essas e outras teses furadas foram produzidas pelo grupo do engenheiro agrônomo Evaristo de Miranda, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Desde a época da mudança do Código Florestal, no governo Dilma, Miranda vem produzindo estatísticas criativas segundo as quais o Brasil “encolheu” por excesso de áreas protegidas. Apontado como “guru ambiental” de Bolsonaro, o agrônomo liderou a equipe de transição do Ministério do Meio Ambiente que maquinou o desmonte da pasta entregue a Ricardo Salles. Em janeiro, um grupo de 12 cientistas publicou um estudo que desmonta as “falsas controvérsias” produzidas por Miranda.
O que Bolsonaro disse sobre Marina: “Vocês leram a carta que ela fez pro Lula para poder apoiá-lo, e ele (Lula) concordou? Simplesmente não vai existir mais agricultura no Brasil. Tudo é criação de conselhos, regulamentações. (…) Ele (Lula) quer regulamentar o agronegócio. O que é regulamentar? Taxar.”
Dos 26 compromissos apresentados por Marina Silva como condicionantes para aderir à candidatura de Lula, pelo menos 13 tratam de políticas públicas que têm relação direta com o agronegócio. No entanto, não há menção no documento a taxas, como afirma Bolsonaro.
O corolário da afirmação do candidato é que, se reeleito, Bolsonaro seguirá “passando a boiada” nos regulamentos para eliminar restrições ao acesso às terras pela agropecuária. No primeiro mandato, isso significou desmatamento.
Confira abaixo cinco razões pelas quais é falsa a ideia de que o país precisa abrir mão de regulamentações ambientais para aumentar a produção.
1 – Tem terra sobrando sem uso
Estudos já desmentiram a falácia de que, para continuar produzindo alimentos, o Brasil precisaria desmatar e destruir florestas. O Terraclass, iniciativa da Embrapa e do Inpe, avaliou o uso de terras desmatadas desde os anos 1980 e mostrou que, na Amazônia, 63% dessa área é ocupada por pecuária de baixa produtividade. Outros 23% estão abandonados. O país tem 50 milhões de hectares de terras degradadas, nos quais seria possível aumentar a produção agropecuária e restaurar florestas.
Quem reforça esse argumento é Ricardo Abramovay, professor do Programa de Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP. No relatório “A Amazônia precisa de uma economia do conhecimento da natureza”, de 2018, ele destaca que, de 1991 a 2017, a produção de grãos e oleaginosas no Brasil subiu 312%, mas a área plantada cresceu apenas 61%. Abramovay defende a conversão de áreas de pastagem com baixa produtividade para a agricultura, citando relatório da Embrapa que pontua o “desacoplamento entre produção agrícola total e mudança dos usos da terra”.
O documento da Embrapa, parte da série “Olhares para 2030”, retoma o período de “vertiginosa queda” do desmatamento na Amazônia entre 2005 e 2016, que ocorreu paralelamente ao crescimento ininterrupto da produção agropecuária no bioma.
2 – Recuperar pastagens é mais efetivo e mais barato do que desmatar
No estudo “Políticas para desenvolver a pecuária na Amazônia sem desmatamento”, o engenheiro florestal Paulo Barreto, pesquisador do Imazon, mostra que o investimento total para aumentar a produção com a reforma de pastagens seria até 72% menor do que o custo de desmatar. A estimativa depende do custo da reforma: mesmo em um cenário mais conservador, a recuperação de pastagem seria no mínimo 47% menos custosa do que o desmate.
3 – A produção subiu quando o desmatamento caiu mais
De 2004 a 2012, quando o desmatamento na Amazônia caiu 83%, o PIB do agronegócio brasileiro subiu 70%. A taxa de desmatamento passou de de 27.772 km2 em 2004 para 4.571 km2 em 2012, o menor número registrado. Nesse mesmo período, segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Cepea/Esalq), da USP, o PIB do agronegócio brasileiro passou de R$ 538 bilhões (em 2004) para R$ 918 bilhões (2012). Os dados do Cepea/Esalq consideram toda a cadeia do agro para esse cálculo, incluindo, além da produção agropecuária propriamente dita, também os insumos, serviços e toda produção industrial utilizada no ramo.
Estudo do Instituto Socioambiental (ISA) comparou dados específicos da agricultura e pecuária e mostrou a mesma tendência, confirmando que a preservação ambiental não impede o crescimento da agropecuária. O primeiro gráfico, elaborado pelo Imazon em 2019, mostra a alta no valor da produção agropecuária durante os anos de redução do desmatamento na Amazônia. O segundo gráfico, elaborado pelo ISA com dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) também em 2019, mostra a produção de soja, o rebanho bovino e a produção de carne nos mesmos anos.
4 – Só 1% das propriedades rurais desmatam (mas elas concentram quase 80% do desmatamento)
Em 2021, foi registrado desmatamento em apenas 0,9% dos 6,5 milhões de imóveis rurais cadastrados no país, aponta análise do MapBiomas. No entanto, essas propriedades concentraram 76% de toda a área desmatada no país. O maior número de imóveis rurais com desmatamento fica na Amazônia, seguida pelo Cerrado.
Se considerados os últimos três anos, o índice de propriedades rurais cadastradas com ocorrência de desmatamento chega a 2,1% do total, segundo o Mapbiomas.
O estudo “As maçãs podres do agronegócio brasileiro“, publicado em 2020 na Science por Raoni Rajão e outros pesquisadores, também aponta que apenas 2% dos imóveis rurais na Amazônia e no Cerrado são responsáveis por 62% de toda a área desmatada ilegalmente nesses biomas.
5 – Quem desmata não terá comprador internacional
No mês passado, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução que restringe as importações de produtos que tenham origem em áreas desmatadas. De acordo com as novas regras, compradores europeus de produtos como carne bovina e soja (dois dos principais itens de exportação brasileiros à União Europeia) precisarão comprovar que sua produção foi livre de desmatamento. Caso contrário, podem ser impedidos de importar os produtos. O projeto ainda precisa ser aprovado por cada um dos 27 países da UE para que entre em vigor, mas já pressiona países exportadores, como o Brasil.
O estudo “As maçãs podres do agronegócio brasileiro”, citado acima, aponta que pelo menos um quinto (20%) das exportações brasileiras está vinculada a desmatamento ilegal. De acordo com os pesquisadores, cerca de 2 milhões de toneladas de soja contaminada com desmatamento podem ter tido como destino mercados da União Europeia no período contemplado pelo estudo.