Estudos ruins de empreendedores e falta de pessoal em órgãos licenciadores explicam boa parte dos atrasos

Mais da metade (56,3%) dos empresários brasileiros ouvidos em consulta realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 2019 avalia que o licenciamento ambiental atrasa do desenvolvimento econômico. Entre os principais entraves apontados estão “o excesso de burocracia e a demora na análise pelo órgão licenciador”.

Visto como mera barreira burocrática, o licenciamento ambiental é fundamental para garantir que empreendimentos sejam realizados sem colocar em risco o meio ambiente e a saúde das pessoas. Durante esse processo, são avaliados os impactos ambientais de um empreendimento para que o Estado decida se deve ou não aceitá-los, conforme dispõe a legislação, e, caso aceite, defina medidas preventivas, mitigadoras ou compensatórias. Um aspecto importante é que os impactos ambientais podem ser difusos, ou seja, afetar grande número de pessoas por longo período. Como os procedimentos são complexos, isso leva tempo. No entanto, mesmo quando as falhas ao longo do processo são de empreendedores, o órgão licenciador acaba levando a culpa pela demora das obras.

Auditoria realizada em 2019 pelo Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que a atuação do Ibama foi “tempestiva” em 75% dos processos de licenciamento de linhas de transmissão de energia analisados. O mesmo relatório identificou demora por parte de empreendedores na elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental e na correção de falhas apontadas pelo órgão ambiental, o que resultou em atrasos na concessão das licenças prévias.

Análise de dados oficiais feita pelo Fakebook.eco mostra que de cada três Licenças Prévias (LPs) emitidas pelo Ibama em média duas (63%) tiveram a análise concluída pelo Instituto dentro do prazo.

Os dados são dos últimos quatro anos (2016-2019). Nesse período foram emitidas 97 LPs, das quais 61 tiveram a análise concluída no prazo previsto pela legislação. Os requerimentos incluem todas as tipologias do licenciamento ambiental federal.

Nos casos em que o impacto ambiental é considerado potencialmente significativo, a emissão da Licença Prévia é precedida pela análise do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do empreendimento, documento com as características do projeto e os impactos previstos, que inclui a avaliação das diferentes alternativas tecnológicas e locacionais. É a etapa mais complexa do processo de licenciamento. Por isso, a legislação estabelece 12 meses para a análise do EIA, o dobro do prazo para avaliação dos pedidos de Licença de Instalação (6 meses) e Licença de Operação (6 meses). Na análise da LP, os técnicos apontam se um empreendimento é ambientalmente viável, o que pode dar continuidade ou não ao processo.

A contagem do prazo de análise é suspensa a partir do momento em que o Ibama devolve o estudo ao empreendedor para complementações ou correção de erros, e volta a correr quando o Instituto recebe novamente o EIA para apreciação.

Em relatório de 2008 sobre o licenciamento ambiental de empreendimentos hidrelétricos no país encomendado pelo governo federal, o Banco Mundial aponta que a maioria dos problemas ocorre na fase da Licença Prévia e que os Estudos de Impacto Ambiental iniciais apresentados pelos empreendedores estavam incompletos e/ou insuficientes em todos os casos analisados.

De acordo com o documento, o tempo total médio para entrada em operação de uma usina hidrelétrica no país, concluídas todas as fases do licenciamento, era de 6,5 anos. Nos EUA, de 4 a 5 anos, diferença que foi considerada uma “margem razoável”. Das 66 hidrelétricas analisadas no Brasil, menos da metade (27) ultrapassou a data prevista nos contratos para entrada em operação.

Em outro estudo, de 2016, o Banco Mundial voltou a destacar a baixa qualidade dos Estudos de Impacto Ambiental.

A consulta da CNI, realizada com 583 empresas, federações ou associações setoriais, indica que quase metade (43,3%) dos estudos são rejeitados após análise do órgão ambiental.

Quando atestada a inviabilidade ambiental dos projetos apresentados, licenças são negadas. Um exemplo disso ocorreu no fim de 2018. Após três devoluções do EIA para complementações, o Ibama indeferiu licença para exploração de petróleo na Foz do Amazonas solicitada pela francesa Total.

No Brasil, o licenciamento ambiental foi instituído pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 (Política Nacional de Meio Ambiente), e a partir daquele ano o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) passou a fazer resoluções para disciplinar o procedimento.

Com a evolução da legislação que trata da repartição de competências entre os entes federativos (Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, e seu decreto regulamentador), em geral o Ibama tem sido responsável nos últimos anos pelo licenciamento dos empreendimentos mais complexos e por isso mais caros e demorados do país, como hidrelétricas e projetos de extração de petróleo. No entanto, a grande maioria dos casos é realizada pelos estados e municípios, que têm estrutura inferior à necessária. A consulta da CNI aponta que pelo menos 90% dos licenciamentos ocorrem em Estados ou municípios.

Entre 2016 e 2019 o Ibama concedeu ao todo 488 licenças prévias, de instalação e de operação. Se contabilizadas todas as autorizações emitidas pela Diretoria de Licenciamento nesses quatro anos, o número chega a 2.396 licenças e atos. Só no Estado de São Paulo, segundo informações fornecidas pela secretaria estadual responsável, foram concedidas no mesmo período 82 mil licenças, número que inclui análises mais simples para atividades como fabricação de sabonete, toalheiros e impressão de jornais.

Além de estudos ambientais incompletos ou ruins, que são de responsabilidade dos empreendedores, há problemas de atrasos decorrentes de normas antiquadas e da falta de pessoal em órgãos ambientais.

O quadro de servidores do Ibama dedicados exclusivamente ao licenciamento, por exemplo, caiu de 369 em 2016 para 238 em 2018, em razão de aposentadorias e outros tipos de desligamento. Houve, porém, aumento do número de empreendimentos licenciados no mesmo período. Com isso, o número médio de processos por analista quase dobrou, passando de 6,17 em 2016 para 11,7 em 2018. Havia 2.792 processos de licenciamento ativos no Ibama em 2018.

 

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