O presidente Jair Bolsonaro já repetiu pelo menos 39 vezes desde o início de seu mandato que o Brasil é “o país que mais preserva no mundo”. A afirmação é falsa. Na verdade, o Brasil é o país que mais desmata. Segundo dados do Global Forest Watch, o país liderou a derrubada de florestas tropicais primárias em 2021: mais de 40% de toda a perda florestal ocorreu no Brasil (1,5 milhão de hectares).
Segundo dados da ONU reunidos pelo Banco Mundial, há 28 países com proporção de cobertura florestal maior que a do Brasil – mesmo em termos absolutos, o país com maior extensão do território coberta por florestas é a Rússia, e não o Brasil.
Florestas cobrem 31% da área terrestre do planeta, aponta relatório de 2022 da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). No caso das florestas primárias, mais da metade (61%) está concentrada em três países: Brasil, Canadá e Rússia. No entanto, enquanto Canadá e Rússia registram índices considerados baixos de desmatamento, o Brasil vem acumulando perdas florestais substanciais desde os anos 1990, diz a FAO.
Outro critério é o de áreas protegidas. O Brasil é o 34° no mundo em proporção de áreas protegidas, segundo outro ranking realizado pelo Banco Mundial com dados da ONU. Em termos absolutos, o país tem a maior extensão de terras públicas protegidas por lei, mas essas áreas não estão sendo preservadas: sob Bolsonaro, o desmatamento da Amazônia atingiu 13.038 km2 em 2021, a maior taxa em 15 anos — um aumento de 73% em relação a 2018, último ano do governo Temer, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
De acordo com o Mapbiomas, o Brasil tem cerca de 66% de seu território coberto por vegetação nativa, mas essa parcela não está totalmente preservada: 11% já queimou ao menos uma vez nas últimas três décadas, e outros 9% foram desmatados pelo menos uma vez no mesmo período. Entre os biomas brasileiros, a Mata Atlântica foi reduzida a 12% de sua extensão original, o Cerrado já perdeu metade de sua cobertura e a Amazônia teve 20% de sua floresta destruída em apenas 50 anos.
Desde 2019, Bolsonaro e vários ministros repetiram números apresentados pelo agrônomo Evaristo de Miranda, ex-chefe da Embrapa Territorial. Considerado o “guru ambiental” de Bolsonaro, Miranda insistiu por anos na falsa afirmação de que “66% do Brasil é preservado”. Em fevereiro deste ano, um grupo de cientistas publicou um artigo na revista Biological Conservation rebatendo as formulações do ex-chefe da Embrapa e analisando como as teses de Miranda e seu grupo impactaram as políticas de combate ao desmatamento e a ação climática no Brasil.
Não foi a primeira vez. Em 2017, pesquisadores já haviam rebatido o que classificaram de “estatística criativa” usada por Miranda para chegar ao que ele chama de taxa de vegetação “protegida e preservada”. As conclusões do agrônomo sobre a preservação da flora brasileira em propriedades rurais também foram questionadas no estudo “Os dados confirmam que Brasil lidera o mundo em preservação ambiental?”, publicado em junho de 2019 na revista Environmental Conservation, da Cambridge University Press.
Ao afirmar falsamente que o Brasil é o que mais preserva, Bolsonaro acusa outros países. “Enquanto eles dizem que estamos acabando com nossas florestas, os países deles não têm nem 5% do território preservado”, diz um vídeo compartilhado por Bolsonaro em maio, sem especificar a que países se refere ou indicar a fonte dos alegados 5% de preservação. Alguns exemplos, no entanto, mostram que a situação no mundo é diferente: a Europa tem 39% de seu território coberto por diferentes tipos de floresta – e ganhou 10% de cobertura florestal desde os anos 1990. Já o Japão tem 70% de sua área florestada.
Em 1975, o desmatamento acumulado na Amazônia era de 27,7 mil km2, segundo o Inpe. Até 2021, passou de 820 mil km2, o que corresponde a mais do que as áreas somadas de Espanha e Itália.
Apenas em 1988 o Brasil criou sua primeira política nacional de preservação da Amazônia, e somente neste século conseguiu reduzir a velocidade do desmatamento (a partir de 2004). Esse esforço perdeu eficiência a partir de 2012, quando o desmatamento voltou a crescer, e foi cancelado em 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro engavetou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm).
(Texto atualizado em 23 de agosto de 2022)