Treze dias após a publicação de dados que revelaram desmatamento recorde na Amazônia em abril – aumento de 77% em relação ao mesmo mês de 2021 –, o governo Bolsonaro divulgou em redes sociais dados de dezembro para alegar que o ritmo de derrubada da floresta estaria em queda, o que é falso. No mesmo post, foram veiculados dados falsos sobre apreensão de madeira e fora de contexto sobre combate a incêndios, além de supostos investimentos de US$ 7,5 milhões em preservação ambiental (omitindo que pelo menos R$ 3 bilhões do Fundo Amazônia estão congelados desde 2019).
Publicado pela Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República, o material foi compartilhado pelo Ministério da Defesa no Twitter e pelo presidente Jair Bolsonaro em seu canal pessoal no Telegram. A publicação repete a mentira de que o Brasil seria “o país que mais preserva” – foi o que mais derrubou florestas primárias no planeta em 2021, segundo dados divulgados no fim de abril pelo Global Forest Watch.
Leia abaixo o post, comentado ponto a ponto.
Iniciadas em 2019, as operações militares na Amazônia fracassaram, apesar do gasto adicional de pelo menos R$ 550 milhões, e foram abortadas pelo governo no ano passado. Até o general Hamilton Mourão, que preside o Conselho Nacional da Amazônia, já admitiu o fracasso. Isso ocorreu após a divulgação do aumento de 76% do desmatamento em 2021, na comparação com 2018 – foi a maior taxa em 15 anos. “Se você quer um culpado, sou eu. Não vou dizer que foi ministro A, B ou C. Eu não consegui fazer a coordenação e a integração da forma que ela funcionasse”, disse o vice-presidente na ocasião.
O governo não disponibiliza dados específicos sobre volume de madeira apreendida, mas é impossível que 39 milhões de metros cúbicos tenham sido apreendidos durante as operações militares Verde Brasil 1 e 2 e Sumaúma, como indica o post. Esse volume encheria cerca de 2,6 milhões de caminhões com toras. A cifra alegada pelo governo é quase três vezes maior do que toda a produção anual de madeira (14,2 milhões de m³), segundo estudo de 2010 do Imazon.
Apontada como a maior apreensão de madeira ilegal já realizada na Amazônia, a operação Handroanthus GLO, realizada pela Polícia Federal em dezembro de 2020, coletou 200 mil m³ de madeira, volume que carregaria 13 mil caminhões. O então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentou liberar a carga, e foi denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF) em notícia-crime apresentada pelo delegado Alexandre Saraiva, que coordenou a operação. Em seguida, Saraiva foi afastado do cargo de superintendente da PF no Amazonas. Em outra investigação da PF, Salles e servidores do Ibama e do MMA foram acusados de crimes como corrupção e facilitação do contrabando de madeira.
Dados do Ibama sobre apreensões gerais na Amazônia mostram queda de 81% em 2021 na comparação com 2018. No caso dos autos de infração, a média nos últimos três anos foi de 3 mil autos por crimes contra a flora nos nove Estados da Amazônia Legal, número 40% menor que a média na década anterior ao atual governo.
O card da Secom foi publicado pela primeira vez em 19/5, treze dias após a divulgação de dados do sistema Deter-B, do Inpe, que mostram aumento de 77% da área sob alertas de desmatamento na Amazônia em abril, na comparação com o mesmo mês de 2021.
No acumulado do ano até agora (o Inpe sempre mede o desmatamento de agosto de um ano a julho do ano seguinte), a área de alertas já chega a 5.084 km², 5% a mais do que no ano anterior. É a segunda maior área para o período (agosto a abril) da série histórica iniciada em 2015 – perdendo apenas para o recorde de 5.680 km² batido pelo próprio governo Bolsonaro em 2020.
Houve, de fato, redução de 59% em dezembro na comparação com o mesmo mês de 2020, mas os dados, além de desatualizados, correspondem ao período menos intenso de desmate na Amazônia (o período de chuvas, quando o ritmo das motosserras naturalmente arrefece, vai de novembro a abril): em contraste aos 1.026 km² de abril, a área de alertas de desmatamento em dezembro foi de 87 km², contra 215 km² em dezembro do ano anterior.
Dos nove meses monitorados até o momento, o desmatamento foi recorde em outubro, janeiro, fevereiro e abril.
O valor aparentemente se refere a projetos de cooperação antigos, aprovados em gestões anteriores, mas o fato é que o governo Bolsonaro deixou de usar pelo menos R$ 3 bilhões doados por Noruega e Alemanha para o Fundo Amazônia, paralisado desde 2019.
O projeto Floresta+ completou 3 anos em fevereiro sem beneficiar agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais, como mostramos aqui. Este é o público-alvo da iniciativa, que recebeu R$ 500 milhões do Fundo Verde do Clima (GCF, na sigla em inglês) em 2019. A negociação que resultou na aprovação do projeto foi iniciada no governo Temer.
Apesar de o governo afirmar falsamente em redes sociais desde o ano passado que já “destinou R$ 500 milhões para pagamentos por serviços ambientais na Amazônia”, a primeira chamada pública foi aberta apenas em março deste ano, e receberá propostas de agricultores até 30 de junho. No caso de comunidades tradicionais e povos indígenas, o prazo foi prorrogado até 10 de junho. Até agora, apenas seis pessoas foram atendidas em “ação piloto para testar o processo de implementação do mecanismo”.
O orçamento destinado pelo governo para o Inpe, responsável pelo monitoramento da Amazônia, foi o segundo menor na década, só perdendo para 2021, também sob Bolsonaro. Nesta semana foi anunciado novo corte para a ciência.
A Secom alega em um tweet que o governo “utilizou novas tecnologias de monitoramento”, mas o principal problema na Amazônia é a falta de fiscalização, e não de satélites. Apenas 2% dos alertas emitidos durante o governo Bolsonaro foram fiscalizados, aponta o Mapbiomas.
Em maio, foram registrados na Amazônia 2.287 focos de incêndio, alta de 96% em relação a igual período de 2021, segundo o Inpe. Foi o maior número para o mês em 18 anos. No Cerrado, 3.578 focos em maio, aumento de 35% e recorde para o mês. No Pantanal, 188 focos, alta de 213%. O período de janeiro a maio já acumula alta de 22% na Amazônia, 23% no Cerrado e 47% no Pantanal em relação aos mesmos meses de 2021.
As taxas de desmatamento aumentaram mais uma vez em 2021. Na Amazônia foram derrubados 13.235 km², alta de 22% em relação ao ano anterior, a maior taxa em 15 anos. No Cerrado, a devastação atingiu 8.531 km², alta de 7,9%, maior desmate acumulado desde 2016.
Contratar brigadistas é uma obrigação do governo. No ano passado, partidos de oposição cobraram do governo, em ação no STF, um plano para evitar que se repetisse a catástrofe de 2020 no Pantanal, quando mais de um quarto do bioma foi destruído pelo fogo.
O painel foi apontado como irrelevante por especialistas. Na prática, nada mudou.
Única estratégia anunciada após o fracasso das Forças Armadas na Amazônia, o apoio da Força Nacional não reverteu a alta do desmatamento. Os focos de incêndio no bioma acumulam alta de 22% de janeiro a maio em relação aos mesmos meses de 2021, e a área sob alertas de desmatamento teve alta de 70% de janeiro a abril, na comparação com igual período de 2021.