Em entrevista neste domingo (06/09) ao programa Poder em Foco, do SBT/Poder360, o vice-presidente Hamilton Mourão, que coordena o Conselho Nacional da Amazônia, divulgou informações falsas sobre recursos destinados para o combate ao desmatamento, sobre o sistema de monitoramento e sobre queimadas no bioma.
Verificamos as afirmações do general. Veja a seguir. Procurada, a Vice-Presidência não respondeu ao pedido de comentário.
“Desde o dia 11 de maio nós iniciamos esse trabalho [de emprego das Forças Armadas]. Contudo, as Forças operaram até o início de julho sem receber nenhum recurso que era necessário para que essa operação continuasse (…) Mas desde junho/julho já havia um claro sinal de tendência de redução na faixa aí de uns 10% tanto do desmatamento como das queimadas. E agora, com a intensificação das ações, nós esperamos atingir até o final do ano uma redução bem mais significativa dessas duas atividades ilícitas.”
MEIA-VERDADE
As queimadas no período de maio a agosto de 2020 estão no mesmo patamar de maio-agosto de 2019 (0,6% de aumento). Se considerados apenas os meses de junho e julho, mencionados por Mourão, houve aumento de 25% dos focos em relação a 2019. Em agosto foi registrado o segundo maior número para o mês dos últimos dez anos: 29.307 focos, dado que ainda será revisado pelo Inpe, podendo superar o recorde na década de agosto de 2019 (30.900).
O número de alertas de desmatamento teve redução percentual (14%) entre maio e agosto, se comparado ao mesmo período do ano passado. No entanto, a redução ocorre após a maior alta percentual do desmatamento vista neste século: 50% de elevação na área de alertas em 2019. A “queda”, portanto, é medida a partir de uma linha de base anormalmente alta. Nos dois anos do governo Bolsonaro, os alertas de desmatamento do sistema Deter-B registraram as maiores taxas da série: 6.844 km2 em 2019 e 9.216 km2 em 2020. Mesmo com a operação do Exército o desmatamento mensal ultrapassou 1.000 km2 em junho, julho e agosto. Antes do governo Bolsonaro, essa marca só havia sido ultrapassada uma vez.
“Esses recursos [da Lava Jato] foram distribuídos parte para a Educação, que posteriormente terminaram por reverter para o combate à Covid-19, foi a metade dos recursos, em torno de 1 bilhão de reais. O outro 1 bilhão foi distribuído entre o Ministério da Defesa, que ficou com pouco mais de 500 milhões de reais, 550 [milhões], acredito, e os ministério do Meio Ambiente e da Agricultura. Só que os recursos do Meio Ambiente e da Agricultura, por determinação do STF, foram repassados diretamente aos Estados, para que os Estados se encarregassem desse combate à ilegalidade. E, no caso do Ministério da Defesa, esse recurso foi empregado num sistema de monitoramento espacial, no avanço da aquisição de um satélite de tecnologia radar que vai então melhorar capacidade de monitoramento e fiscalização da Amazônia.”
FALSO
A alegação de que faltou dinheiro para o combate ao desmatamento não se sustenta. Como mostramos em agosto, o Ibama gastou apenas 20% do orçamento para fiscalização até julho. Além do orçamento ordinário, o Ministério da Defesa recebeu pelo menos R$ 520 milhões de recursos recuperados pela Operação Lava-Jato, e o Ibama, R$ 50 milhões.
Desses recursos recebidos em maio pelo Ibama, que não estavam previstos inicialmente no orçamento para 2020, o instituto gastou apenas 27% até agosto. E há possibilidade de não conseguir gastar tudo até dezembro: a autarquia está tentando comprar veículos 4X4 sem justificativa técnica, apesar de ter um contrato para locação de 393 viaturas.
O Ibama também ficou os sete primeiros meses de 2020 sem acessar recursos do Fundo Amazônia já aprovados para ações de combate ao desmatamento. Dos R$ 73 milhões disponíveis, só em 30 de julho foram sacados R$ 10,2 milhões.
No caso do Ministério da Defesa, o argumento de que os recursos da Lava Jato foram usados para aquisição de um satélite de tecnologia radar também não faz sentido. Reportagens de Oeco e do Uol denunciaram em agosto que o Ministério da Defesa quer gastar sem licitação R$ 145 milhões para monitorar desmate sob nuvens com um radar de abertura sintética – um tipo de imagem que o Ibama e o Inpe acessam de graça. Mesmo que a compra já tivesse sido efetuada, sobrariam R$ 355 milhões da Lava Jato para a pasta.
“O Inpe faz um trabalho excepcional, mas ele tem limitações. Onde estão as limitações do Inpe, especificamente: em primeiro lugar, nós não temos uma cobertura radar em toda a Amazônia. Aí eu explico para o nosso público: você tem o satélite óptico e o satélite radar. O óptico não enxerga através das nuvens. Se está chovendo e tem nuvens, ele não enxerga o que está acontecendo. Vai me dar os alertas com atraso. O sistema radar, não. Ele me dá o alerta em tempo real. Essa é uma diferença básica.”
FALACIOSO
De fato não existe cobertura de radar para toda a Amazônia, porque nem todas as áreas com grande cobertura de nuvens da Amazônia têm índices relevantes de desmatamento. O Deter Intenso, do Inpe, já usa imagens de radar do Sentinel-1, da Agência Espacial Europeia, satélite SAR de banda-C. Hoje ele cobre 45% da área desmatada da Amazônia e 10% do bioma. A meta do Inpe é atingir 20% da floresta e 65% do desmatamento – hoje o radar já gera mais alertas de desmatamento do que os órgãos de fiscalização conseguem inspecionar.
A própria Defesa já tem, em tese, imagens de radar para monitorar a Amazônia. Foram investidos R$ 64 milhões do Fundo Amazônia no projeto Amazônia SAR, que usaria imagens de radar de satélites italianos da constelação Cosmos-Skymed (banda X). Em tese, o objetivo é orientar a fiscalização do Ibama e do Instituto Chico Mendes. Até o momento não foram apresentados resultados do Amazônia SAR, mantido pelo Centro Gestor do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), órgão criado pelo projeto Sivam. O Censipam também é responsável pelo projeto de R$ 145 milhões para comprar imagens de radar que o país já acessa de graça.
“Além disso, o Inpe ainda se ressente de uma maior capacidade de análise, por precisar de investimentos maiores na área de tecnologia, de modo que a análise dessas imagens seja feita por algoritmos e por inteligência artificial, e com isso dando mais velocidade. As pessoas que estão lá são extremamente capacitadas, mas precisamos reforçar essa capacidade deles. Daí a necessidade de termos um satélite de radar e melhorarmos a questão tecnológica.”
FALSO
O Inpe possui capacidade de processamento por algoritmos – o chamado “machine learning”, ou aprendizado de máquina, que já é usado em sistemas como o MapBiomas Alerta, que tem parceria com o Ibama e está à disposição das autoridades brasileiras. No entanto, o instituto tem optado por não usar algoritmos. Atualmente, as melhores técnicas de “machine learning” publicadas na literatura científica (inclusive artigos do ex-diretor do Inpe Gilberto Câmara) ainda não conseguem atingir a qualidade e a acurácia do sistema Prodes, do Inpe, que mede a taxa anual de desmatamento na Amazônia desde 1988.
Um dos pilares da credibilidade do Prodes é justamente o baixo número de falsos positivos, aponta Câmara, que foi diretor do Inpe de 2005 a 2012.
Segundo ele, nenhuma técnica de “machine learning” consegue atingir um balanço adequado entre erros como “falsos positivos” e “falsos negativos”. “É relativamente fácil desenvolver algoritmos com baixo erro de falsos negativos (ou seja, acertar todas as áreas desmatadas). O problema é conseguir, ao mesmo tempo, evitar os falsos positivos”, diz ele, atual diretor do Grupo de Observação da Terra (GEO, na sigla em inglês), parceria intergovernamental entre mais de cem países, Comissão Europeia e 115 organismos internacionais.
A crítica tecnológica à suposta falta de velocidade do Inpe tampouco se sustenta pelo fato de que a fiscalização atualmente não consegue atender nem mesmo aos alertas que já são gerados pelo Deter. Aumentar o número de alertas não teria nenhum impacto sobre o desmatamento, já que nem os que já são gerados pelo Deter recebem fiscalização.
“Hoje usamos sistemas que existem aí, japoneses, europeus, mas é uma questão de soberania. Nós temos que lembrar que num eventual problema de conflito ou de uma situação de calamidade internacional, temos que deter a capacidade de monitorarmos o nosso território, e não dependermos de terceiros países.”
FALSO
A questão de soberania nunca teve nenhum impacto sobre o monitoramento do desmatamento. O Brasil monitora a Amazônia de forma contínua desde 1988 e, à exceção dos CBERS, produzidos em conjunto com a China, todos os satélites usados são estrangeiros. O Prodes, que dá a taxa oficial de desmatamento, tem como principal instrumento o americano Landsat, mas também usa imagens do europeu Sentinel-2. O Deter usa imagens do Sentinel-1, dos americanos Terra e Aqua (Modis) e dos indianos Resourcesat-1 e 2.