Dados públicos contrariam afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que a eventual aprovação do Projeto de Lei 191/2020, que libera a mineração em terras indígenas, aumentaria a produção de potássio a ponto de “resolver” a dependência do agronegócio da importação de fertilizantes.
Análise feita por pesquisadores da UFMG mostra que é possível garantir por até oito décadas todo o potássio usado na agricultura com o potencial existente em reservas nacionais, mas que apenas um terço desses depósitos fica na Amazônia e nenhum deles coincide com Terras Indígenas (TIs) homologadas. O levantamento também aponta que só 11% das reservas de sais de potássio identificadas na Amazônia se sobrepõem a TIs ainda não homologadas (em processo de demarcação). Em escala nacional, isso representa menos de 3% do potencial para produção do fertilizante no país.
“Ou seja, mudar a lei para explorar essas áreas (indígenas) é uma falsa solução. Não vai resolver a crise de fertilizantes, mas irá gerar enormes problemas socioambientais”, escreveu o professor Raoni Rajão, que coordena o Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da UFMG. Ele adiantou resultados do estudo “Crise dos fertilizantes no Brasil: da tragédia anunciada às falsas soluções”, que será publicado até o fim deste mês.
A análise, com dados do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e da Agência Nacional de Mineração (ANM), mostra que as principais reservas de potássio do país estão em Sergipe, São Paulo e Minas Gerais. Esse potencial, porém, não é explorado. Mais de 90% dos fertilizantes à base de potássio usados na agricultura são importados, e a Rússia é um dos principais fornecedores.
Em entrevista a uma rádio de Roraima nesta segunda (7/3), Bolsonaro afirmou que a crise de fornecimento provocada pela invasão da Ucrânia é uma “boa oportunidade” para aprovar o PL 191, apresentado pelo governo em fevereiro de 2020. Desde a semana passada, ele e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), usam a guerra na Ucrânia como pretexto para votar o projeto de lei em regime de urgência. Bolsonaro disse esperar que o PL 191 “seja aprovado agora em março e daqui a dois ou três anos possamos dizer que não somos mais dependentes de importação de potássio para o nosso agronegócio”.
Ele afirmou que “tem fora, mas as grandes reservas (de potássio) estão em terras indígenas, como na Foz do Rio Madeira, no Amazonas”, sem apresentar dados que sustentem essa afirmação. Levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) mostra que os requerimentos junto à Agência Nacional de Mineração (ANM) para extração de sais de potássio no interior de TIs representam apenas 1,6% das jazidas requeridas para exploração. Ou seja, quase todos os depósitos conhecidos ou com pedidos de pesquisa estão fora de terras indígenas.
Outro levantamento, feito pela Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração (ABPM) e revelado pelo Estadão, também aponta que quase todas as reservas já identificadas estão fora de TIs. “Dizer o contrário é vender uma mentira com fins escusos”, afirmou Rajão.
O relatório mais recente do governo federal sobre o potencial de potássio na Bacia do Amazonas, publicado em 2020 pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), não cita terras indígenas. O CPRM foi procurado na sexta-feira (4/3), mas não houve resposta até a publicação deste texto.