O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) discursou por sete minutos nesta quinta-feira (22) durante a Cúpula de Líderes sobre o Clima, organizada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, com a participação de 40 chefes de Estado. Bolsonaro voltou a afirmar que o Brasil participou com menos de 1% das emissões históricas de gases de efeito estufa, dado falso que já constava na carta enviada a Biden na semana passada. Ainda que tenha sido mais moderado em seu discurso, o presidente brasileiro também usou dados exagerados.
A participação de Bolsonaro na cúpula está pautada pela promessa de Biden, ainda em campanha eleitoral, de criação de um fundo internacional de US$ 20 bilhões para manter a Amazônia conservada. Para conseguir fechar um acordo que lhe permita receber recursos americanos, o presidente brasileiro — que, na última Assembleia Geral da ONU, negou a existência de incêndios fartamente documentados na região — precisa convencer que está comprometido com a conservação do bioma.
Confira a seguir a verificação do discurso de Bolsonaro na Cúpula do Clima, resultado da parceria do Fakebook.eco com a Lupa.
“Ao discutirmos mudanças no clima, não podemos esquecer a causa maior do problema: a queima de combustíveis fósseis ao longo dos últimos dois séculos”
Verdadeiro
De acordo com a Nasa, a principal variável de longa duração para a mudança climática é o aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, que cresceu 47% desde o início da Revolução Industrial, no fim do século 19. Por sua vez, o aumento do CO2 é causado principalmente pela queima de combustíveis fósseis. Contudo, o desmatamento e alterações no uso da terra, como a agropecuária intensiva, também são fatores importantes nesse crescimento. Corroboram essa visão a World Wide Fund for Nature (WWF) e a União Europeia.
“O Brasil participou com menos de 1% das emissões históricas de gases de efeito estufa, mesmo sendo uma das maiores economias do mundo”
Falso
Estudos mostram que, historicamente, o Brasil contribuiu para 4,4% do aquecimento global, quando considerados todos os gases causadores do efeito estufa e também o uso da terra. O cálculo é de um estudo do físico Luiz Gylvan Meira Filho, publicado em 2005. Outro estudo, publicado por pesquisadores do Canadá em 2014, mostra que o Brasil foi o quarto país que mais colaborou com o aumento na temperatura média do planeta, atrás somente de Estados Unidos, China e Rússia. Isso se deveu sobretudo à aceleração do desmatamento na Amazônia desde o final dos anos 1970 e, mais agudamente, na década de 1980.
Ainda na década de 1990, um estudo apresentado pelo governo brasileiro na Conferência de Kyoto dizia que o país era um dos que menos contribuíram para o aquecimento global. O estudo, porém, só levava em conta o gás carbônico emitido por combustíveis fósseis, excluindo do cálculo outros gases causadores do efeito estufa, o desmatamento e outros fatores.
A Lupa procurou o presidente, e atualizará esta checagem caso haja resposta.
“No presente, respondemos por menos de 3% das emissões globais anuais”
Verdadeiro, mas
O Brasil, de fato, responde por 3,2% do total mundial das emissões globais anuais. Contudo, isso não significa que as emissões do país sejam particularmente baixas. Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões do Observatório do Clima (SEEG), as emissões per capita do país são maiores que a média mundial. Em 2019, cada cidadão brasileiro emitiu 10,4 toneladas brutas de CO2e, contra 7,1 da média mundial. Mesmo se consideradas as emissões líquidas, o Brasil tem 7,5 toneladas por habitante ― mais próximo, mas mesmo assim um pouco acima.
Em números absolutos, o Brasil é o quinto país que mais emite gases de efeito estufa. Dados do SEEG mostram que o país lançou na atmosfera 2,17 bilhões de toneladas brutas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro — um aumento de 9,6% em relação a 2018. O país está atrás apenas da China (11,5 bilhões de toneladas), dos Estados Unidos (5,8 bilhões de toneladas), da Índia (3,2 bilhões de toneladas) e da Rússia (2,4 bilhões de toneladas).
Além disso, o SEEG mostra que a tendência de redução das emissões no Brasil, verificada entre 2004 e 2010, está se revertendo. Em 2020, o país não cumpriu a meta estabelecida na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).
“Temos orgulho de conservar 84% de nosso bioma amazônico”
Exagerado
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o desmatamento acumulado hoje corresponde a cerca de 20% da floresta, permanecendo 80% de pé, e não 84%. Ainda que o percentual citado por Bolsonaro estivesse correto, isso não significa que toda a floresta remanescente está “conservada”. Pelo sistema do Inpe que estima desmatamento não é possível discernir áreas degradadas, mas com árvores ainda de pé, de áreas, de fato, preservadas. Não se sabe exatamente qual a porcentagem de áreas degradadas, mas um estudo de 2014 indicou que, até 2013, essa área seria de 1,2 milhão de km². Isso significa que 40% da Amazônia pode estar sob alguma pressão humana.
A Lupa procurou o presidente, e atualizará esta checagem caso haja resposta.
“Como resultado [da redução do desmatamento], somente nos últimos 15 anos, evitamos a emissão de mais de 7,8 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera”
Verdadeiro, mas
Cientistas estimam que a redução no desmatamento na Amazônia ocorrida a partir do ano de 2006, de fato, evitou a emissão de cerca de 7,8 bilhões de toneladas de gás carbônico para a atmosfera. Contudo, desde 2013, o ritmo da destruição da floresta voltou a crescer. Em 2019 e 2020, a área desmatada passou dos 10 mil km².
Segundo os dados anuais de desmatamento do Prodes-Inpe, entre 2006 e 2019, o desmatamento no bioma foi menor do que no período entre 1996 e 2005, período usado pelo Brasil e acatado pela ONU como linha de base para as reduções de emissão por desmatamento. Considerando a média anual do período anterior, essa redução significou a preservação de 161 mil quilômetros quadrados em 13 — e não 15 — anos.
Em média, cada hectare de floresta na Amazônia estoca 132 toneladas de carbono, segundo os critérios metodológicos utilizados pelo Fundo Amazônia. Logo, a redução no desmatamento nesse período fez com que cerca de 7,8 bilhões de toneladas de gás carbônico deixassem de ser emitidas.
Contudo, os mesmos dados mostram que, após cair de forma consistente entre 2004 e 2012, a taxa de desmatamento no bioma amazônico voltou a crescer. Em 2012, a área de floresta desmatada foi de 4,6 mil km². Em 2019 e 2020, o desmatamento cresceu para 10,1 mil km² e 11,1 mil km².
“Somos um dos poucos países em desenvolvimento a adotar e reafirmar uma NDC transversal e abrangente, com metas absolutas de redução de emissões, inclusive para 2025, de 37%, e de 40% até 2030”
Verdadeiro, mas
O Brasil foi, de fato, um dos poucos países em desenvolvimento a adotar uma meta absoluta de redução de emissões em 2015, quando o Acordo de Paris foi assinado. Contudo, ela não era considerada suficiente pelo Climate Action Tracker, instituição que analisa o cumprimento do acordo. Mudanças propostas por Bolsonaro em 2020 pioraram esse quadro e reduziram a ambição da proposta.
A NDC brasileira atualizada permitirá ao país chegar a 2030 emitindo 400 milhões de toneladas de CO2 equivalente a mais do que o previsto em 2015, segundo análise do Observatório do Clima. O Climate Action Tracker rebaixou a classificação da meta do país de “insuficiente” para “altamente insuficiente”. Um estudo da UFMG mostrou que o Brasil pode aumentar o desmatamento para 13 mil km² em 2025 e ainda assim cumprir a NDC.
A nova proposta de NDC confirma a meta indicativa para 2030 adotada pelo Brasil em 2015. Não muda o compromisso percentual de corte de emissões, mas altera — e muito — a base de cálculo. Na nova proposta, o nível de emissões em 2005, ano-base da meta, foi ajustado de 2,1 bilhões de toneladas para 2,8 bilhões de toneladas. No anexo da NDC de 2015, a meta indicativa de redução de 43% significava emitir 1,2 bilhão de toneladas de gases até 2030. Na versão apresentada em 2020, a mesma meta representa 1,6 bilhão de toneladas na atmosfera. Ou seja: o Brasil chegaria a 2030 emitindo cerca de 400 milhões de toneladas de CO2 equivalente a mais do que havia sido prometido em 2015.
“Determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050, antecipando em dez anos a sinalização anterior”
De olho
O Brasil nunca adotou formalmente um compromisso de alcançar a neutralidade climática em 2060 ou 2050. A atualização da NDC, a meta brasileira no Acordo de Paris, fala em “compromisso indicativo” de neutralidade em 2060. O documento cita, também, de forma hipotética, uma possibilidade de antecipação para 2050 condicionada ao funcionamento do mercado de carbono. “Apesar de o Governo Federal atualmente considerar alcançar neutralidade de carbono em 2060, o funcionamento adequado dos mecanismos de mercado [de carbono] sob o Acordo de Paris podem justificar um objetivo de longo prazo mais ambicioso no futuro, tendo como horizonte temporal, nesse caso, o ano de 2050”, diz.
Compromissos indicativos não são metas formais e os governos não podem ser cobrados por isso. Caso Bolsonaro tenha estabelecido a neutralidade como meta, ainda precisará formalizá-la junto à ONU.
Vale pontuar, ainda, que, conforme explicado anteriormente, a atualização da NDC reduz, e não aumenta, as obrigações formais do país, ao modificar a base de cálculo para a redução das emissões.
“No campo, promovemos uma revolução verde a partir da ciência e inovação. Produzimos mais utilizando menos recursos, o que faz da nossa agricultura uma das mais sustentáveis do planeta”
Falso
O Brasil é o 51° no ranking de agricultura sustentável do Índice de Sustentabilidade Alimentar, desenvolvido pela revista The Economist com o Centro Barilla para Comida e Nutrição. O levantamento considera indicadores nas categorias água, uso da terra (incluindo biodiversidade e capital humano) e emissões de gases do efeito estufa. O setor agrícola brasileiro apresenta indicadores ruins em agrotóxicos, manejo de fertilizantes, desigualdade e clima.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Brasil é o terceiro com maior uso absoluto de pesticidas no mundo e está entre os 30 países que mais utilizam agrotóxico por área plantada.
O país também ocupa a 17ª posição no Índice de Gerenciamento Sustentável de Nitrogênio (SNMI, na sigla em inglês), que mede a eficiência no uso do nitrogênio e o rendimento da colheita, um dos parâmetros do desempenho ambiental da produção agrícola utilizados na formulação do Índice de Performance Ambiental (EPI, em inglês).
Segundo estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) rural do Brasil está na faixa de “baixo desenvolvimento humano”, com valor de 0,586, que é 28% inferior ao IDHM encontrado em áreas urbanas do país, que estão na faixa de “alto desenvolvimento humano”, com 0,750. Portanto, em áreas rurais a dimensão social da sustentabilidade é baixa.
Quanto às emissões de gases de efeito estufa, que causam o aquecimento do planeta e a mudança do clima, o Brasil é o quinto maior emissor do planeta, em números absolutos. Segundo dados do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima), a atividade agropecuária é a principal fonte de emissões do país. Somando-se as emissões diretas do setor agropecuário (principalmente o metano emitido pelo rebanho bovino), que representaram 25% das emissões em 2018, e as do desmatamento (44% do total), 69% dos gases-estufa que o Brasil lançou na atmosfera naquele ano vieram da atividade rural.
A Lupa procurou o presidente, e atualizará esta checagem caso haja resposta.
“Apesar das limitações orçamentárias do governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados às ações de fiscalização”
De olho
O governo deve suplementar o orçamento de 2021 com R$ 115 milhões para ações de fiscalização ambiental, segundo o jornal Folha de S.Paulo. Esse valor é quase idêntico ao que está previsto no orçamento para ações de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio): R$ 116,79 milhões. Segundo a Folha, esse recurso extra, contudo, não deve ir para esses dois órgãos, e sim para ações da Força Nacional, formada, em parte, por policiais militares. Aliados do presidente propõem, na Câmara, esvaziar esses dois institutos e militarizar a fiscalização ambiental.
A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021, aprovada pelo Congresso em março mas ainda não sancionada, destina R$ 94,51 milhões para fiscalização pelo Ibama e R$ 22,28 milhões pelo ICMBio. No ano passado foram R$ 80,3 milhões e R$ 21,6 milhões, respectivamente. Além disso, em 2020, o Exército recebeu R$ 589,7 milhões em recursos extra da Lava Jato e do Ministério da Defesa. Parte da verba foi usada para comprar um satélite. Apesar disso, o desmatamento aumentou em relação a 2019, atingindo 11,1 mil km2, segundo o Inpe — a maior taxa desde 2008.
Nos últimos dois anos, a fiscalização no Ibama foi comandada por policiais militares de São Paulo indicados pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que não têm qualificação, segundo o TCU. O governo não atendeu pedidos para realização de concurso público para fiscais para o instituto, apesar de especialistas apontarem que a falta de profissionais é um dos principais problemas do órgão. No último pedido feito pelo instituto, de maio de 2020, foi solicitado concurso para 2.311 servidores.
Nesta semana, uma norma publicada por Salles paralisou a fiscalização do Ibama, impedindo a punição de infratores. O ministro é acusado de favorecer madeireiros em notícia-crime encaminhada pela Polícia Federal ao Supremo Tribunal Federal (STF).
(Claudio Angelo, Felipe Werneck, Jaqueline Sordi, Marcela Duarte, Maurício Moraes e Chico Marés)