País é o terceiro maior consumidor absoluto de pesticidas do planeta

Uma alegação comum de alguns defensores do agronegócio é a de que o Brasil, diferentemente do que dizem ambientalistas, está longe de ser um dos campeões mundiais no uso de agrotóxicos. Tal assertiva – de que há 43 países que usam mais agrotóxicos que o Brasil no ranking por hectare cultivado – foi divulgada em 2019 pelo Ministério da Agricultura e chegou a constar de memorandos internos usados por representantes do governo para defender a imagem do país no exterior.

O problema de rankings de uso de pesticidas é que existem várias formas diferentes de organizá-los. Por exemplo, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), o Brasil é o terceiro com maior uso absoluto de pesticidas no mundo, depois da China e dos EUA (o país tem também a terceira maior área de agropecuária do planeta em termos absolutos).

Em relação ao uso por área plantada, o Brasil ocupa a 27ª posição (e não a 44a) entre 155 países no ranking da FAO, com 5,9 kg por hectare. Essa diferença em relação ao número apresentado pelo Ministério da Agricultura ocorreu após uma atualização no banco de dados da FAO, que elevou a taxa do Brasil de 4,3 kg/ha em 2016 para 5,9 kg/ha em 2017. No entanto, segundo o último dado disponível do IBGE, o consumo por área plantada no país já havia chegado a 6,7 kg/ha em 2014 – mais que o dobro do percentual registrado em 2000, de 3,2 kg/ha.

Mesmo se for considerado o cálculo da FAO, mais baixo que o do IBGE, mas que permite comparações internacionais, o Brasil apresenta uso por hectare maior do que 22 dos 27 países da União Europeia, exceto Chipre (8,2 kg/ha), Holanda (7,9 kg/ha), Bélgica (6,6 kg/ha), Irlanda (6,4 kg/ha) e Itália (6,1 kg/ha). Na comparação com a Alemanha, por exemplo, o consumo de agrotóxicos no Brasil é 32% maior.

Em 2012, o Brasil tornou-se o maior importador mundial de agrotóxicos e o segundo maior mercado consumidor desses produtos, depois dos EUA, aponta estudo de professor da Universidade Federal do Paraná assinado com outros cinco pesquisadores.

Outro levantamento, realizado pela consultoria inglesa Phillips McDougall, mostra que o Brasil é o país que mais gasta com agrotóxicos no mundo: US$ 10 bilhões por ano. Em seguida vêm EUA (US$ 7,4 bilhões), China (US$ 4,8 bilhões), Japão (US$ 3,4 bilhões), França (US$ 2,9 bilhões) e Alemanha (US$ 2,1 bilhões).

Já em relação ao gasto por área cultivada o Brasil fica em sétimo lugar nesse ranking, com investimentos em agrotóxicos de US$ 139 por hectare, atrás de Japão (US$ 1.133), Coreia do Sul (US$ 342), Alemanha (US$ 235), França (US$ 206), Itália (US$ 187) e Reino Unido (US$ 172).

Um terceiro ranking da mesma consultoria relaciona gastos com pesticidas e volume de produção agrícola. Neste, o Brasil fica em 13°, com US$ 9 por tonelada de alimento produzido, atrás de Japão (US$ 97), Coreia do Sul (US$ 27), Itália (US$ 23), Alemanha (US$ 23), França (US$ 22), Reino Unido (US$ 19), Canadá (US$ 19), Espanha (US$ 14), Austrália (US§ 13), Argentina (US$ 12), EUA (US$ 10) e Polônia (US$ 10).

Esse levantamento da Phillips McDougall, que não é público, foi citado em estudo da Unesp abordado em reportagem da Agência Pública/Repórter Brasil. Os dados são de 2013. Naquele ano, segundo o Ibama, foram comercializadas 496 mil toneladas de ingredientes ativos de agrotóxicos no Brasil. O número é maior que o da União Europeia, que registrou 396 mil toneladas em seus 28 países no mesmo período.

Dados da consultoria alemã Kleffmann também apontam o Brasil, que possui a terceira maior área de cultivo do planeta, como o maior mercado mundial de pesticidas desde 2011. Foram US$ 8,83 bilhões em agrotóxicos na safra de 2013, segundo a Kleffmann.

No Brasil, a comercialização de ingredientes ativos de agrotóxicos chegou a 549,3 mil toneladas em 2018, último dado oficial disponível, baseado em informações relatadas pelos fabricantes dos produtos. Maior número da série histórica do Ibama, representa aumento de 238% em relação a 2000. No mesmo período, a área plantada no Brasil aumentou 51%, segundo estimativa do IBGE.

Em audiência realizada no dia 28 de agosto de 2019 na Comissão de Agricultura do Senado Federal, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), entidade representativa do setor de agrotóxicos há mais de 75 anos, reunindo 34 empresas associadas que juntas representam 97,3% do mercado nacional, reconheceu que o Brasil “já é o maior consumidor mundial de agrotóxicos”. Na ocasião, o Sindiveg estimou que 20% dos agrotóxicos usados no país vêm do contrabando, ou seja, são ilegais.

Esse percentual é confirmado pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf) no relatório “O contrabando de defensivos agrícolas no Brasil”, divulgado em 2019. Portanto, considerando essa parcela significativa de produtos ilegais, muitos dos números oficiais disponibilizados pelo Brasil e pela FAO estão subestimados, o que eleva ainda mais as estatísticas.

Artigo publicado no site do Ministério do Meio Ambiente sobre Indicadores Ambientais Nacionais, que estava disponível para consulta até a publicação desse texto, aponta o Brasil como “maior consumidor mundial de agrotóxicos”.

Seja pela quantidade absoluta de agrotóxicos ou relativa por área, pelo número de produtos registrados, pelo manejo de pesticidas e sua toxicidade, pelo tipo usado em comparação com países mais desenvolvidos ou pela quantidade de produtos ilegais, o fato é que o Brasil é um dos países que mais usam agrotóxicos no mundo.

 

CHEQUE VOCÊ MESMO

Ministério da Agricultura

Ranking FAO, uso de agrotóxicos absoluto

Ranking FAO, uso de agrotóxicos por área plantada

IBGE, consumo de agrotóxicos por área plantada

Estudo A dinâmica do comércio internacional de agrotóxicos

Estudo da Unesp com dados de levantamento da Phillips McDougall

Agência Pública/Repórter Brasil

Dados sobre consumo de agrotóxicos na União Europeia

Kleffmann

Série histórica do Ibama sobre comercialização de ingredientes ativos de agrotóxicos

Dados do IBGE sobre área plantada

Sindiveg apresenta dados sobre agrotóxicos contrabandeados em audiência no Senado

Relatório do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf)

Artigo do Ministério do Meio Ambiente