A partir do fim da primeira década do século 21, o negacionismo do aquecimento global se transformou numa espécie de identificador da extrema-direita. No Brasil, o principal expoente do negacionismo foi o chanceler Ernesto Araújo, no governo Bolsonaro, que chamou a mudança climática de “conspiração marxista”.
Segundo essa narrativa, as medidas para conter a crise climática são uma ameaça ao capitalismo e à “liberdade” de mercado, por implicarem em mais regulação e, portanto, mais ação do governo. Por consequência, conservador que é conservador precisa ser também negacionista.
Embora o lobby empresarial, particularmente das companhias fósseis, esteja na origem do negacionismo climático, a ação contra as emissões por muito tempo foi uma bandeira suprapartidária nos Estados Unidos. O primeiro projeto de lei de redução de emissões dos EUA, por exemplo, foi feito por um senador democrata e um republicano. A partir de 2009, porém, com a ascensão do movimento direitista radical Tea Party e a polarização da política americana, a negação da mudança climática passou a integrar também as guerras culturais entre esquerda e direita. O bolsonarismo, ao decalcar a extrema-direita americana, também importou essa vertente do negacionismo climático para o Brasil.
Curiosamente, antes da eleição de Bolsonaro havia no país havia um negacionismo climático com sinal ideológico trocado: a fim de defender os interesses dos produtores rurais contra medidas de controle do desmatamento, argumentava-se que a crise climática era uma invenção das potências imperialistas dos EUA e da Europa para manter o Brasil subdesenvolvido. Um arauto ilustre dessa tese era o deputado Aldo Rebelo (PCdoB) autor do relatório propondo a flexibilização do Código Florestal, em 2010. Aldo escreveu que o aquecimento global é uma “doutrina de fé” e que “o chamado movimento ambientalista internacional nada mais é, em sua essência geopolítica, que a cabeça de ponte do imperialismo”. Para ele, a luta climática seria a última etapa da dominação imperialista do mundo.
Como é impossível Ernesto Araújo e Aldo Rebelo estarem certos ao mesmo tempo – ou bem são os marxistas, ou bem são os imperialistas tramando o aquecimento global – cabe questionar se há líderes políticos de ambos os lados do espectro ideológico que aceitam a ciência e defendem ação no clima. E a resposta é “sim”: à direita, a alemã Angela Merkel, a norueguesa Erna Solberg, os franceses Nicolas Sarkozy e Emmanuel Macron, os americanos Bill Clinton e Arnold Schwarzenegger e até, na extrema-direita, o britânico Boris Johnson e o indiano Narendra Modi. Na esquerda e centro-esquerda, os brasileiros FHC e Lula, os americanos Barack Obama e Alexandria Ocasio-Cortez, o chinês Xi Jinping e o canadense Justin Trudeau.
CHEQUE VOCÊ MESMO
The Guardian: Brazil’s new foreign minister believes climate change is a Marxist plot
Oreskes, N., e Conway, E., Merchants of Doubt (Bloombsbury Press, 2010)
Boston Globe: Too hot to handle: Politics of warming part of culture wars