Há distorções e falácias também sobre área preservada e queimadas

A guerra de narrativa do governo brasileiro sobre a proteção ambiental no país, supostamente para convencer investidores de que está tudo bem por aqui, ganhou nesta terça-feira (14) mais um tiro no pé. O atirador desta vez é o Ministério da Economia, do “Posto Ipiranga” Paulo Guedes.

Numa nota técnica sobre “preservação ambiental e investimento estrangeiro direto”, o ministério comete deslizes, erros conceituais e, em pelo menos um caso, publica um dado desmentido pelo próprio governo: ao qualificar o país como um dos “que menos emitem” gás carbônico, cita uma fonte que contabiliza apenas emissões por queima de combustíveis fósseis – quando quase 70% das emissões brasileiras estão no uso da terra. Dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações mostram emissões per capita três vezes maiores que o sugerido em mapa que consta da nota.

Fakebook.eco verificou os principais pontos da nota. O Ministério da Economia foi procurado para comentar. Suas respostas serão publicadas tão logo cheguem.

O Brasil é o país com a maior proporção de área preservada, de acordo com os dados da ONU (FAO). Quase 60% do território brasileiro encontra-se preservado contra aproximadamente 35% de Canadá e Estados Unidos. O área preservada no Brasil é quase três vezes superior a média mundial.

FALSO

O dado apresentado pelo ministério, atribuído à FAO, se refere à cobertura de florestas do Brasil, e não às áreas protegidas. O país tem cerca de 59% do território coberto por florestas. São 498 milhões de hectares, incluindo as florestas plantadas. O Brasil não é o primeiro do mundo em nenhum dos dois critérios analisados pela FAO, em termos de extensão dessas áreas ou em relação ao tamanho do território.

Apenas uma parte dessa vegetação, porém, está em áreas públicas protegidas legalmente, onde não é permitido desmatamento. Somando Terras Indígenas e Unidades de Conservação sem incluir a categoria Área de Proteção Ambiental (APA), que permite propriedades privadas, atividades econômicas e desmatamento, o país tem 216 milhões de hectares sob proteção, o que representa 25% do território. Com a inclusão das APAs, são 259 milhões de hectares, cerca de 29% do país. Em relação ao tamanho do território, há 33 nações com mais áreas protegidas que o Brasil, segundo a FAO. Alguns países da Europa têm proporção maior em áreas protegidas, como Alemanha (38%), Polônia (40%) e Grécia (35%).

Ao analisar a cobertura florestal, 29 países têm proporção maior que a do Brasil em relação ao território, aponta a FAO. Já em termos absolutos a Rússia é o país com maior área florestal do mundo, com cerca de 815 milhões de hectares. O Brasil é o segundo, seguido pelo Canadá.

Em relação especificamente a florestas tropicais, o Brasil é o país com maior área no planeta. No entanto, o ritmo de desmatamento na floresta amazônica também é um dos mais acelerados do mundo, sem contar os demais biomas, como Cerrado e Mata Atlântica. No último registro realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Brasil perdeu mais de 10 mil km2 de florestas só na Amazônia em 2019, área equivalente à do Líbano.

O Brasil não apenas preserva parte expressiva de seu território, mas também se encontra entre os países que menos emitem CO2, em termos per capita, no mundo. O Gráfico 3 apresenta um mapa de emissão global, nele se observa que o Brasil está classificado no grupo de países de baixa emissão per capita(menos do que 4 toneladas de CO2 ano por habitante).

FALSO

A fonte citada na nota técnica do governo, o Edgar (um projeto da agência ambiental holandesa incorporado pela União Europeia), usa apenas emissões por uso de energia, ou seja, CO2 emitido por queima de combustíveis fósseis. Por esse critério o Brasil de fato tem emissões per capita muito inferiores à média – por volta de 2 toneladas de CO2 equivalente por habitante, conforme o próprio mapa apresentado na nota técnica do governo e esta compilação de dados do Edgar.

Ocorre, porém, que cerca de 70% das emissões do Brasil estão no setor de uso da terra – agropecuária e desmatamento –, que não são computadas por essa base de dados. Quando se considera o total, as emissões per capita brutas do Brasil foram de 9,3 toneladas de CO2 equivalente em 2018, segundo o SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima) – acima da média mundial, de 7,2 toneladas. O Brasil, com 1,939 bilhão de toneladas brutas emitidas em 2018, é o sétimo maior emissor de gases de efeito estufa do planeta.

O dado da nota técnica não para de pé nem mesmo quando se usa o próprio governo federal como fonte. Segundo estimativas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, disponíveis na plataforma Sirene, o Brasil teve em 2016 (último ano para o qual há dados) emissões líquidas totais de 1,3 bilhão de toneladas. Dividindo esse número por 210 milhões de habitantes, que é a estimativa do IBGE, chega-se a uma emissão per capita de 6,1 toneladas de CO2 equivalente – três vezes mais do que o informado na nota do Ministério da Economia.

Outra inferência que se pode deduzir dessa figura é a de que, em termos de uso de terras, o Brasil não precisa de desmatamento para aumentar sua produção agrícola, posto que, dos 30% de sua área explorada com agropecuária, mais de 2/3 se referem a pastagens que podem ser facilmente convertidas em área de produção agrícola.

VERDADEIRO

Segundo dados do Observatório do Plano ABC, o Brasil tem 52 milhões de hectares de pastagens degradadas – ou seja, com taxa de lotação menor que 0,7 cabeça de gado por hectare. É área mais do que suficiente para expandir a produção agrícola e intensificar a pecuária, evitando a abertura de novas áreas, aumentando a renda dos produtores e, por meio da recuperação dessas pastagens, fixando carbono no solo.

O Gráfico 5 mostra a variação no número de focos de queimadas no Brasil e em outros países sul americanos, entre 2019 e 2020. Em 2020 o número de focos de queimadas no Brasil caiu em relação a 2019, o que não pode ser dito em relação a outros países.

VERDADE, MAS

O total de queimadas no Brasil no primeiro semestre não diz nada sobre a situação da Amazônia no meio do ano – afinal, a temporada de seca (e de fogo) começa apenas em junho. A comparação com a elevação percentual em outros países é igualmente inútil. A Argentina, assolada por uma seca que também atinge o Sul do Brasil, teve um aumento de 274% nos focos de calor. O Uruguai, que tem pouca floresta, teve um aumento de 213%. O Rio Grande do Sul, de 140%, e Santa Catarina, de 187%.

Já na Amazônia, quando se olha os dados da estação seca, o quadro começa a ficar preocupante. O número de focos de queimada (2.248) é 20% maior do que no mesmo mês do ano passado e o maior para junho desde 2008. É menor que a média para o mês (2.724), mas isso se explica pelo fato de o fogo, na Amazônia, estar ligado ao desmatamento, e a série histórica conter anos de intenso desmatamento, como 2004 (9.179 focos), que eleva muito a média.

Embora a extensão das áreas sob aviso de desmatamento na Amazônia tenha crescido em junho, tais números ainda precisam ser confirmados e eles não são corroborados, até agora pelo menos, pelos focos de queimadas na região (gráficos 6 e 7).

FALACIOSO

A nota técnica informa, corretamente, que os dados mensais de alertas de desmatamento, dados pelo sistema Deter, precisam ser “confirmados” pela taxa oficial, dada uma vez por ano pelo sistema Prodes (ambos do Inpe). Ela omite, porém, que o Deter é subestimado em média em 50% em relação ao Prodes, devido à menor resolução dos satélites usados naquele sistema. Ou seja, quando forem “confirmados”, os dados tendem a mostrar um desmatamento ainda mais alto.

Sobre os dados não serem “corroborados” pelos focos de queimada, os técnicos do Ministério da Economia ignoram a dinâmica do desmatamento: áreas desmatadas precisam secar antes de serem queimadas – ou seja, o que foi derrubado no início da estação seca normalmente só queimará em agosto ou setembro.