Os efeitos do aquecimento global já são perceptíveis em diferentes aspectos da vida na Terra: da redução das geleiras ao aumento de catástrofes como secas e inundações, passando pela elevação do nível do mar. Apesar de existirem evidências claríssimas de que o planeta atravessa um processo acelerado de mudança climática, informações equivocadas e distorcidas atrapalham o debate sobre esse assunto tão urgente.
Na semana que antecede o Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado em 5 de junho, reunimos alguns dos mitos mais difundidos sobre o assunto, resultado da parceria do Fakebook.eco com a Lupa, com informações do site Skeptical Science e do climatologista Alexandre Araújo Costa, da Universidade Estadual do Ceará. Confira:
O aquecimento global é real, mas não foi causado pelo ser humano
Checagem original publicada em 3 de agosto de 2020 no Fakebook.eco
FALSO
Há diferentes linhas de evidências empíricas que detectam a marca humana no aquecimento global. Uma delas está no aumento do dióxido de carbono (CO2). Quando combustíveis fósseis são queimados, como o petróleo, por exemplo, átomos de carbono se unem ao oxigênio criando esse gás. Conforme o CO2 aumenta na atmosfera, o oxigênio diminui. Observações mostram que os níveis de oxigênio estão caindo a uma taxa consistente com a do aumento da queima de combustíveis fósseis.
A impressão digital da humanidade aparece também no aumento do efeito estufa, fenômeno que estabiliza a temperatura do planeta. Uma comparação entre dados de satélites entre os anos 1970 e 1996 mostrou que menos energia está “escapando” para o espaço nas chamadas ondas longas de radiação, uma medida usada por pesquisadores para entender como a Terra esfria e carrega para o espaço os gases responsáveis pelo efeito estufa. Esse resultado foi confirmado por dados mais recentes de diversos satélites.
Outra marca humana pode ser encontrada ao observar as tendências de temperatura nas diferentes camadas da atmosfera. Modelos climáticos preveem que mais dióxido de carbono deveria causar aquecimento na troposfera (camada mais próxima da crosta terrestre) e resfriamento da estratosfera (segunda camada mais próxima, onde se encontra o gás ozônio). Isso acontece porque mais energia térmica fica retida na camada mais próxima, e menos calor “vaza” para a camada de cima. Medições feitas com satélite são condizentes com esse efeito e, portanto, demonstram que o aquecimento na Terra é relacionado com o aumento das emissões de dióxido de carbono.
Por outro lado, fenômenos naturais que poderiam explicar um aumento da temperatura em escala global de forma súbita não estão sendo verificados. O principal deles seria uma variação na irradiação solar. Um aumento brusco poderia ser a causa do aquecimento atual — no passado, uma diminuição súbita causou a chamada Pequena Era Glacial. Contudo, desde 1970, o que se verifica é uma tendência de diminuição na irradiação, ou seja, o aquecimento global não pode ser explicado por esse fator.
Nos anos 1970 se falava em resfriamento global, e não aquecimento
Checagem original publicada em 12 de abril de 2021 no Fakebook.eco
FALSO
Nos anos 1970, uma minoria de cientistas acreditava que, por causa da emissão de aerossóis, o mundo poderia passar por um resfriamento global. Contudo, não se tratava de um consenso, ou mesmo de uma visão majoritária. Levantamento publicado em 2008 mostrou que há seis vezes mais artigos dos anos 1970 falando em aquecimento global do que em resfriamento. A tese perdeu força nos anos seguintes após dados empíricos mostrarem que a Terra, de fato, está esquentando.
Nas emissões industriais, há dois elementos que afetam o sistema climático. Um desses componentes é o CO2, principal gás de efeito estufa – o excesso desse gás, emitido por atividades humanas, causa o aquecimento da baixa atmosfera, elevando a temperatura média da Terra. O outro componente são aerossóis, pequenas partículas atmosféricas que bloqueiam a luz solar. Isso pode ter um efeito resfriador da temperatura geral da Terra. Os aerossóis, porém, só permanecem na atmosfera por cerca de duas semanas antes de se dissiparem. Esses dois efeitos contrastantes levaram os cientistas climáticos a duas hipóteses diferentes sobre o que poderia acontecer com o clima do planeta no futuro.
Na década de 70, alguns cientistas, como os pesquisadores S. Ichtiaque Rasool e Stephen Henry Schneider concluíram que o aumento da concentração de aerossóis e dióxido de enxofre poderia levar a um resfriamento da atmosfera. Isso de fato ocorre, mas não como esses cientistas imaginavam. Em vez de resfriar o globo, as partículas “mascaram” parcialmente o aquecimento global. Possivelmente uma das razões para a aceleração brutal do aquecimento nas últimas décadas foram as leis de redução de poluentes em países como os EUA e a Europa: ao limpar o ar das partículas de enxofre emitidas pela queima de carvão, o aquecimento provocado pelos gases de efeito estufa apareceu mais claramente no registro de temperatura.
Mudanças climáticas como a que está em curso atualmente sempre ocorreram ao longo da história
Checagem original publicada em 8 de junho de 2020 no Fakebook.eco
FALSO
O clima da Terra nunca é totalmente estável. A temperatura média do planeta varia ao longo do tempo, assim como a concentração de dióxido de carbono (CO2), e tendências de crescimento e diminuição foram observadas ao longo da história. Contudo, há uma diferença significativa entre esses ciclos naturais e o aquecimento súbito verificado no planeta no último século. Enquanto a escala de mudança do clima na Terra costuma ser em milênios ou milhões de anos, salvo em momentos cataclísmicos como grandes meteoros ou explosões vulcânicas, as transformações atuais da atmosfera ocorrem em pouco mais de um século, e terão seus efeitos mais agudos em décadas.
A temperatura na Terra já foi parecida com os piores cenários possíveis do aquecimento global. No período Plioceno, por exemplo, há 3,3 milhões de anos, a concentração de dióxido de carbono (CO2) pode ter chegado a 450 partes por milhão (ppm) e a temperatura média pode ter sido 3°C mais elevada do que no início da era industrial — para comparação, em 2019 ultrapassamos 415 ppm e elevação de cerca de 1,1°C acima do pré-industrial. Muito antes disso, no início do período Triássico, há 250 milhões de anos, a temperatura da Terra chegou a ser 7ºC mais alta do que no período pré-industrial, enquanto a concentração de CO2 chegou a ultrapassar 4 mil ppm no final dessa mesma era geológica.
Contudo, essas mudanças climáticas sempre foram graduais, medidas em escalas de centenas de milhares de anos. Quando ocorreram de forma abrupta, causaram extinções em massa. Por sua vez, a civilização industrial elevou em 30% os níveis de CO2 em pouco mais de 60 anos. As concentrações de gás carbônico no ar observadas atualmente não têm precedentes em pelo menos 800 mil anos, que é o que os cientistas conseguem medir diretamente, analisando bolhas de ar do passado presas no gelo da Antártida.
O aumento do aquecimento global se deve à localização dos instrumentos de medição, normalmente em cima do asfalto ou próximos de ilhas urbanas de calor
Checagem original publicada em 8 de junho de 2020 no Fakebook.eco
FALSO
Um estudo da Berkeley Earth, organização norte-americana que analisa dados de temperatura da Terra, reuniu informações de 36.869 estações meteorológicas, quase metade delas em áreas rurais, desde 1950. Concluída em 2011, a pesquisa verificou a mesma tendência de aquecimento em locais urbanos e rurais: cerca de 1°C ao longo do último século. Ironicamente, o estudo foi iniciado com a intenção de provar que a tendência de aquecimento era um viés causado pela localização dos instrumentos.
Outras análises mostram resultados semelhantes. De acordo com a Agência Espacial dos EUA (Nasa), a temperatura média da Terra em 2019 foi 0,98°C mais alta que a média de 1951 a 1980. Foi o segundo ano mais quente desde o início das medições com termômetros, em 1880, perdendo apenas para 2016, por diferença de 0,04°C. A análise mostra que 19 dos 20 anos mais quentes dos últimos 140 anos, quando foram iniciadas as medições globais com termômetros, ocorreram no século 21. A exceção é 1998, ano em que o fenômeno meteorológico El Niño foi acentuado.
Mas os cientistas não se fixam apenas em um tipo de instrumento ou uma série de dados para afirmar que o planeta está esquentando. Desde o fim dos anos 1970, satélites e balões meteorológicos também são usados para coletar dados sobre o clima. E eles contam, essencialmente, a mesma história.
Nevascas e recorde de temperaturas baixas são evidências de que o aquecimento global não existe
Checagem original publicada em 8 de junho de 2020 no Fakebook.eco
FALSO
O aumento na temperatura média no planeta não é uniforme em todas as partes do globo, e cenários de frio extremo podem acontecer. Em 2019, por exemplo, uma onda de frio histórica se abateu sobre os Estados Unidos, causando um dos invernos mais extremos já registrados no país. Ao mesmo tempo, porém, a Austrália registrava seu verão mais quente na história, com temperaturas 2,1°C acima do esperado. No saldo, 2019 foi o segundo mais quente de todo o registro histórico desde 1880, atrás somente de 2016.
Todos os anos, existe a possibilidade de recordes positivos e negativos de temperatura serem quebrados. Em um clima próximo do estável, o número de registros máximos tende a ser igual ao de mínimos. Contudo, o que se verifica atualmente é que picos de calor se tornaram muito mais frequentes que picos de frio.
O serviço de registros diários de temperatura da Agência Nacional de Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos (Noaa) mostra que, nos últimos 365 dias (de 26 de maio de 2021 para trás), houve 58.403 quebras de recorde de temperatura máxima nas estações da rede mundial de observações (a Global Historical Climatological Network), enquanto tivemos 27.423 recordes de temperatura mínima, uma proporção de 2 para 1.
Já o Climate Signals mostra que, nos Estados Unidos, os recordes de maior temperatura nos últimos 365 dias superam os de menor temperatura numa proporção de 1,5 para 1, um aumento importante em relação à década de 1990 (1,36 para 1) e principalmente em relação aos anos 1950 (1,09 para 1).
Outro ponto importante é que alguns eventos extremos de frio podem ser causados, paradoxalmente, pelo aquecimento global. Alguns cientistas correlacionam os escapes do vórtice polar, causador do frio extremo no inverno de 2019 nos Estados Unidos, ao enfraquecimento dos ventos da chamada corrente de jato, causadas pelo aumento das temperaturas no Ártico.
A caça é a maior ameaça aos ursos polares, e não o aquecimento da Terra
Checagem original publicada em 23 de julho de 2020 no Fakebook.eco
FALSO
Embora a caça seja uma ameaça real — inclusive usada como argumento para refutar a mudança climática como causa do desaparecimento desses animais —, o aquecimento global está afetando algumas populações desses mamíferos. Ursos polares são extremamente dependentes do gelo marinho para se alimentar e para outros aspectos do do ciclo de vida. Dados de satélite mostram que o gelo marinho do Ártico tem diminuído nos últimos 30 anos, e as projeções mostram que essa tendência vai permanecer enquanto as temperaturas continuarem subindo.
A redução, retração ou fragmentação do gelo, habitat natural deles, pode fazer com que necessitem de intervenção humana em grande escala. Essas mudanças no gelo marinho os afetam de diferentes formas. A retração precoce no verão, por exemplo, significa que os ursos têm menos tempo para caçar e, portanto, menos tempo para acumular reservas de gordura. Já a fragmentação e a redução do gelo obriga os ursos a nadar grandes distâncias, queimando parte de suas reservas de gordura. Isso também reduz o número de focas, que são a principal fonte de alimento dos ursos polares, e os impede de viajar e de fazer tocas. Assim, os ursos são forçados a passar mais tempo em terra, aumentando a interação com os seres humanos, potencialmente levando a uma maior mortalidade.
De acordo com um dado de 2019 do Grupo de Especialistas em Ursos Polares da IUCN, das 19 populações reconhecidas, quatro estão provavelmente em declínio, duas estão provavelmente crescendo e cinco estão estáveis. Não há dados suficientes para concluir a situação das outras oito. Na população do Oeste da Baía de Hudson, uma das mais estudadas, a fragmentação dos blocos de gelo está começando mais cedo do que 30 anos atrás, reduzindo efetivamente o período de alimentação em cerca de três semanas. Como resultado, o peso médio das fêmeas caiu cerca de 21% entre 1980 e 2004, e a população diminuiu 22% entre 1987 e 2004. No Alasca, há evidências de aumento da mortalidade de filhotes causada pela diminuição do gelo marinho.
As geleiras do Alasca, Canadá, Nova Zelândia, Groenlândia e Noruega estão crescendo
Checagem original publicada em 3 de agosto de 2020 no Fakebook.eco
FALSO
Há diversos estudos que mostram que a ampla maioria das geleiras desses e de outros territórios estão diminuindo. Um deles, publicado em 2011 pelo World Glacier Monitoring Service (WGMS), comparou medições de 136 glaciares e concluiu que 90% deles estão recuando, e não crescendo. O glaciar de Chacaltaya, na Bolívia, desapareceu completamente, e dois outros, na Itália e na China, racharam ao meio.
O WGMS, serviço que monitora variações de massa, volume, área e comprimento dos glaciares, monitora um total de 228 geleiras, das quais 30 são monitoradas desde, pelo menos, 1976, e são usadas como referência. Observação desses glaciares mostram que a perda de massa entre os anos 1996 a 2005 é mais que o dobro da taxa de perda de massa da década anterior, de 1986 a 1995, e mais de quatro vezes a taxa de perda de massa de 1976 a 1985. No período mais recente, duas geleiras cresceram e 28 diminuíram.
As geleiras respondem direta e rapidamente às condições atmosféricas, e por isso são boas referências para o monitoramento da variação da temperatura. O balanço de massa é medido por várias técnicas. Métodos glaciológicos diretos incluem estacas de ablação, poços e sondas de neve. Esses dados são então combinados com estudos geodésicos independentes, coletados e publicados pelo WGMS.
O Brasil participou com menos de 1% das emissões históricas de gases de efeito estufa, mesmo sendo uma das maiores economias do mundo
Checagem original publicada em 22 de abril de 2021 no Fakebook.eco
FALSO
O Brasil é responsável por cerca de 3,2% do total mundial das emissões globais anuais. Isso não significa que as emissões do país sejam baixas. Ao contrário: em números absolutos, o Brasil é o quinto país que mais emite gases de efeito estufa. Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões do Observatório do Clima (Seeg), as emissões per capita do país são maiores que a média mundial. Em 2019, cada cidadão brasileiro emitiu 10,4 toneladas brutas de CO2e, contra 7,1 da média mundial. Mesmo se consideradas as emissões líquidas, o Brasil tem 7,5 toneladas por habitante ― mais próximo, mas mesmo assim um pouco acima.
Dados do Seeg mostram que o país lançou na atmosfera 2,17 bilhões de toneladas brutas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) em 2019 — um aumento de 9,6% em relação a 2018. O país está atrás apenas da China (11,5 bilhões de toneladas), dos Estados Unidos (5,8 bilhões de toneladas), da Índia (3,2 bilhões de toneladas) e da Rússia (2,4 bilhões de toneladas).
Além disso, o Seeg mostra que a tendência de redução das emissões no Brasil, verificada entre 2004 e 2010, está se revertendo. Em 2020, o país não cumpriu a meta estabelecida na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).
Historicamente, o Brasil contribuiu para 4,4% do aquecimento global, quando considerados todos os gases causadores do efeito estufa e também o uso da terra. O cálculo é de um estudo de 2005 do físico Luiz Gylvan Meira Filho. Outro estudo, publicado por pesquisadores do Canadá em 2014, mostra que o Brasil foi o quarto país que mais colaborou com o aumento na temperatura média do planeta, atrás somente de Estados Unidos, China e Rússia. Isso se deveu sobretudo à aceleração do desmatamento na Amazônia desde o final dos anos 1970 e, mais agudamente, na década de 1980.
(Carol Macário, Jaqueline Sordi, Felipe Werneck, Claudio Angelo, Marcela Duarte e Chico Marés)