Imagine que você busca uma informação sobre o sistema de urnas eletrônicas – e o primeiro link que o buscador da internet te mostra é uma live do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ou que você busca entender sobre globalização – e o navegador te indica o blog do ex-chanceler Ernesto Araújo ou algum livro do finado Olavo de Carvalho.
Pois é o que tem acontecido, no Brasil, quando um usuário do Google tenta se inteirar sobre o funcionamento do Fundo Amazônia. Apesar das centenas de reportagens existentes sobre o tema, de fontes com credibilidade, como o próprio site do fundo no BNDES, o primeiro link a figurar como resposta até a noite desta segunda-feira (13) era um anúncio do site Brasil Paralelo – plataforma de conteúdo negacionista que voou em céu de brigadeiro, com lucro recorde, durante os quatro anos de desgoverno Bolsonaro.
Sim, o Google apresenta um site de conteúdo conspiratório quando alguém procura se inteirar sobre um dos mecanismos mais importantes de proteção à Amazônia. O anúncio aparece em primeiro porque o Brasil Paralelo paga por isso: a produtora é um dos principais anunciantes da plataforma no país, e também do Youtube, uma empresa da Google. O modelo de negócios das plataformas também inclui um “leilão” de palavras-chave, e quem paga mais por elas sobe nas buscas. Esse vem sendo um problema para combater conteúdo desinformativo em várias plataformas.
Procurado por Fakebook.eco no dia 13, o Google respondeu no dia 16: “Os anúncios exibidos na Busca do Google são claramente identificados e exibidos em área distinta dos resultados orgânicos. Para fazer campanhas de publicidade em nossas plataformas, os anunciantes precisam respeitar nossas políticas. Quando não há violação à política de uso do produto, a decisão final sobre a necessidade de remoção do conteúdo cabe ao Poder Judiciário, de acordo com o que estabelece o Marco Civil da Internet.”
(ROBERTO KAZ, LEILA SALIM e CLAUDIO ANGELO)
* Atualizado em 16/2 com o posicionamento do Google e esclarecimento sobre o modelo de anúncios.
“Todas as vezes que crescem os números de emissão de CO2 ou os índices de desmatamento, o governo norueguês solta duras críticas ao governo brasileiro.”
NÃO É BEM ASSIM
O Brasil passou quase 15 anos sem ouvir críticas internacionais por causa do desmatamento, porque havia uma política pública para combatê-lo. Em 2015, por exemplo, o desmatamento subiu e a Noruega não só não criticou o Brasil como prorrogou a contribuição ao Fundo Amazônia, por entender que as medidas de controle estavam sendo adotadas. As críticas internacionais começaram em 2019, quando o governo de Jair Bolsonaro revogou o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia e levou a devastação a sua maior alta percentual desde o início da série histórica do Inpe.
“Mas foi descoberto que o país nórdico é o principal acionista da mineradora Hydro. Esta mineradora possui 34,3% das ações da empresa considerada a maior responsável pelos altos números da poluição na Amazônia.”
FALACIOSO
Aqui o Brasil Paralelo lança mão de um truque argumentativo conhecido como falácia “non sequitur”. Mesmo que a Hydro seja a maior poluidora da Amazônia, e ainda que o governo norueguês detivesse 100% das ações da empresa, não decorre disso que haja problema com o Fundo Amazônia, porque não existe nenhuma relação entre ambos.
“E, por trás da bela bandeira da mídia de defesa do meio ambiente, os países estrangeiros vêm tomando posse do território e das riquezas brasileiras.São áreas sobre as quais o Brasil não possui soberania, cujas atividades de preservação ou exploração local são administradas por ONGs.”
FALSO
A tese da “cobiça estrangeira” sobre a Amazônia é propalada desde 1960, quando o ex-governador do Amazonas Arthur César Ferreira Reis publicou o livro “Amazônia e Cobiça Internacional”. A teoria da conspiração colou no imaginário dos militares, mas fato é que até hoje nenhum país estrangeiro se apossou de nenhum milímetro da Amazônia, nem existe um local da região sequer sobre o qual o Brasil não possua soberania. O mais perto que se chegou disso foram empresas multinacionais trazidas pelos militares que compraram a preço de banana vastas porções de terra, como o Projeto Jari, do americano Daniel Ludwig (mais de 1 milhão de hectares entre o Pará e o Amapá), e a fazenda Vale do Cristalino, da alemã Volkswagen (139 mil hectares no Pará).
“Há inúmeros indícios de contratos superfaturados e gastos excessivos nos projetos do Fundo.”
FALSO
O ex-ministro Ricardo Salles tentou, mas não conseguiu, demonstrar irregularidades nos contratos do Fundo Amazônia, que são duplamente auditados. Salles chegou a chamar uma entrevista coletiva em 2019 para denunciar supostas irregularidades, mas foi incapaz de apontá-las.
“Investir no Fundo Amazônia se mostrou um negócio altamente lucrativo: pois assim há possibilidade de explorar riquezas acessíveis apenas em pequenas faixas da Amazônia, sem ninguém mais para reclamar a posse desse bem, e ainda recebendo licitações milionárias do governo para a atividade.”
FALSO
Os recursos do Fundo Amazônia são doações internacionais, liberadas mediante verificação da redução da taxa de desmatamento. A governança foi estabelecida pelo próprio Brasil e é executada pelo BNDES, sob orientação de um comitê de projetos (COFA) e um comitê gestor (CFTA). Nenhum país “investe” no Fundo Amazônia; trata-se de doação a fundo perdido.
“Tudo isso, contando com a blindagem dos contratos. Os projetos feitos com capital do Fundo Amazônia não são auditáveis.”
FALSO
Desde 2010, o Fundo Amazônia passa anualmente por uma auditoria contábil, que avalia a veracidade dos saldos registrados nas demonstrações financeiras e outra auditoria que avalia o cumprimento das exigências presentes no decreto que o criou e nas diretrizes e critérios estabelecidos pelo Cofa. Ao longo desses anos não foram constatados fatos que caracterizassem irregularidades relevantes.
Em relação a um levantamento enviado pelo MMA apontando supostas fragilidades nos contratos do fundo (a mesma justificativa usada por Salles em 2019), a CGU (Controladoria Geral da União) afirma que “há muitas informações incompletas sem conclusões evidenciadas sobre a efetiva identificação das fragilidades”, e que “não foi possível identificar a indicação de deficiências ou lacunas que demandassem a interrupção das operações”. Entre outras mentiras, o ministério citou, em resposta à CGU, reuniões que nunca ocorreram com os países doadores.
“O aquecimento global é considerado uma certeza pela maior parte do movimento ambientalista. Essa teoria legitima a maior parte das ações do movimento, como o fundo Amazônia. Todavia, nem todos são unânimes em relação ao aquecimento global.”
VERDADE, MAS
O consenso científico sobre o aquecimento global é de 97% ou 99% dos especialistas no tema, dependendo de como ele é medido. Para efeito prático, virtualmente nenhum especialista em clima discorda da realidade do fenômeno e de suas causas.
“Em 2011, mais de 5 mil e-mails de cientistas da University of East Anglia vieram à público provando que pesquisadores esconderam evidências que questionavam a influência humana sobre o aquecimento global. Nas mensagens, os cientistas combinaram esconder todos os dados que demonstravam não haver influência do ser humano nas alterações climáticas.Os estudiosos falaram que estavam sofrendo pressão política do Departamento de Assuntos Ambientais, Alimentares e Rurais (DEFRA), que insistia em passar uma “mensagem forte” ao governo do Reino Unido.”
FALSO
Primeiro, o “Climagate”, como ficou conhecido o caso do vazamento dos emails da Unidade de Pesquisa Climática da Universidade de East Anglia, é de 2009, não de 2011. Segundo, os cientistas que tiveram seus e-mails vazados foram todos investigados por dois comitês independentes e nenhuma evidência foi encontrada de má conduta científica.
“O professor e pesquisador em geografia da USP, Ricardo Felício, demonstra com dados científicos o ponto de vista oposto ao apresentado pelo establishment. Não se trata de negar mudanças climáticas, mas sim discutir se o homem influencia ou não esse processo e até que grau o planeta aquecerá (ou esfriará).”
FALSO
Ricardo Felício, professor do Departamento de Geografia da USP, não tem em seu currículo Lattes nenhum trabalho científico sobre mudança climática em periódicos com revisão por pares. Virtualmente toda a sua produção acadêmica questionando o aquecimento global foi publicada na obscura revista Fórum Ambiental da Alta Paulista, cujo conselho editorial ele mesmo integrou durante anos.
Felício também divulga “verdades alternativas” quando o assunto é Covid-19. Combateu a vacinação e defendeu o tratamento criminoso à base de cloroquina, sem comprovação científica, durante a pandemia responsável por quase 700 mil mortes no Brasil. Alguns de seus vídeos foram retirados do YouTube por ordem judicial. Já na USP, Felício teve uma sindicância aberta na Procuradoria-Geral da universidade, por ter decidido não mais dar aulas, de forma unilateral, sem comunicar a instituição.
“(…) Ricardo Salles buscou desmanchar os comitês organizadores (COFA e o CFTA), de modo a mudar a estrutura do fundo e reformular sua base operativa. Visando garantir mais transparência na aplicação dos recursos. A reação da Noruega e da Alemanha foi imediata: alegaram que as mudanças representavam um rompimento contratual, assim não investiriam mais no fundo, nem seria possível usar o capital lá alocado.”
FALSO
O Fundo Amazônia está paralisado porque um decreto do presidente Jair Bolsonaro de abril de 2019 extinguiu o seu Comitê Orientador e seu Comitê Técnico-Financeiro, que estabeleciam os critérios e diretrizes para aplicação dos recursos. Isso comprometeu a governança do fundo, descumprindo acordo entre o Brasil e os países doadores (Noruega e Alemanha) e impossibilitando novos repasses. A paralisação do Fundo Amazônia foi contestada por partidos políticos no STF e o governo foi condenado a reativá-lo.