É falsa a afirmação do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, em artigo publicado no último domingo (16/1) na Folha de S.Paulo, de que “o trabalho integrado” entre ministérios “fortaleceu o combate a incêndios e desmatamento ilegal”.
Dados públicos do Ibama e do Inpe mostram, na verdade, que houve enfraquecimento da fiscalização e aumento do desmatamento pelo terceiro ano consecutivo sob Bolsonaro. A taxa de desmatamento na Amazônia em 2021 (13.235 km2) foi a maior em 15 anos, e o número de multas por crimes contra a flora na região foi o mais baixo das últimas duas décadas.
No fim de novembro, o vice-presidente Hamilton Mourão, que coordena o Conselho Nacional da Amazônia, apontou justamente a falta de integração entre os órgãos federais como um dos motivos para a alta do desmatamento. “Eu não consegui fazer a coordenação e a integração da forma que ela funcionasse”, admitiu Mourão. A explosão do desmatamento ocorreu apesar do gasto de mais de meio bilhão de reais em operações militares fracassadas na região.
Antes de mentir no artigo, o ministro do Meio Ambiente já havia escondido os dados sobre a alta do desmate durante a Conferência do Clima de Glasgow (COP 26), em novembro. A estimativa oficial que apontou aumento de 22% do desmatamento na Amazônia em relação a 2020 foi fechada pelo Inpe e enviada ao Ministério da Ciência e Tecnologia em 27 de outubro, quatro dias antes da abertura da COP 26. O dado do Prodes só foi divulgado em 19 de novembro, uma semana depois da COP, após o sindicato dos funcionários do Inpe denunciar que o número estava pronto e vinha sendo ocultado. Joaquim foi ao encontro no Reino Unido sabendo do dado, e mentiu à comunidade internacional ao afirmar que o desmatamento vinha sendo contido por ações do governo, apontou reportagem da agência Associated Press.
O desmatamento no Cerrado também aumentou em 2021: 7.9% em relação a 2020, o maior desmate acumulado no bioma desde 2016. O governo tinha o dado desde 6 de dezembro, mas só o divulgou no dia 31.
No artigo de opinião, o ministro se propõe a apresentar os resultados do que chama de “ambientalismo de resultados”, termo criado pelo antecessor, Ricardo Salles, que é investigado pela Polícia Federal sob acusação de facilitar o contrabando de madeira nativa, entre outros crimes.
Em três anos, o governo Bolsonaro deixou que 56 mil quilômetros quadrados de florestas na Amazônia e no Cerrado virassem fumaça. É metade da área de Cuba. Na Amazônia, uma área maior que a Bélgica foi desmatada desde 2019. Bolsonaro foi o primeiro presidente a ter três altas sucessivas na devastação num mesmo mandato.
“Quem acompanha o noticiário sobre meio ambiente talvez não saiba tudo o que aconteceu nos últimos três anos”, escreveu o ministro, afirmando em seguida que foram priorizadas em sua gestão “cidades, parques e florestas”. Entre os supostos resultados, ele destaca: “encerramos 20% dos lixões a céu aberto, criamos um novo modelo de concessões de parques, lançamos o maior programa de pagamento por serviços ambientais do mundo e tivemos participação relevante na criação do mercado global de crédito de carbono durante a COP 26″.
Lixões – A meta da Política Nacional de Resíduos Sólidos, sancionada por Lula em 2010, era erradicar todos os lixões do país até 2014. A lei não foi cumprida, e houve ampliação do prazo em 2020. Embora o Brasil tenha oficialmente desativado 19,8% dos lixões a céu aberto até o ano passado, isso não significa que esses espaços foram completamente fechados. Em 2019, o Ministério do Meio Ambiente lançou o Programa Lixão Zero, mas não há como atribuir a redução ocorrida ao governo federal, porque há ações de estados e municípios nesse setor. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre), o Brasil tinha 3.257 lixões em 2019. Esse dado tinha como base informações do Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos (SINIR). O último relatório da Abetre sobre esse assunto indica que 645 lixões foram desativados até agosto.
Concessão de parques – O “novo modelo” anunciado por Joaquim Leite é baseado em uma mudança na legislação ocorrida em 2018, no governo Temer. A lei 13.668/2018 alterou a lei de criação do ICMBio e definiu que “poderão ser concedidos serviços, áreas ou instalações de unidades de conservação federais para a exploração de atividades de visitação voltadas à educação ambiental, à preservação e conservação do meio ambiente, ao turismo ecológico, à interpretação ambiental e à recreação em contato com a natureza, precedidos ou não da execução de obras de infraestrutura, mediante procedimento licitatório”.
Das dez Unidades de Conservação federais concedidas à iniciativa privada, quatro foram realizadas no governo Bolsonaro – e parte dos processos de concessão foi iniciada na gestão Temer. A concessão do parque nacional da Chapada dos Veadeiros (GO), finalizada em abril de 2019, foi anunciada no fim de 2016 pelo então ministro do Meio Ambiente Sarney Filho. “Estão piorando o modelo em vez de melhorar”, avalia Cláudio Maretti, que presidiu o ICMBio no governo Dilma e foi diretor de Ações Socioambientais e Consolidação Territorial do Instituto na gestão Temer. Ele cita a redução de encargos e contrapartidas, e o enfraquecimento do ICMBio – no modelo atual, o órgão ambiental está submetido a decisões do Ministério da Economia, do BNDES e do MMA.
Programa de pagamento por serviços ambientais – O Floresta+, citado por Joaquim, recebeu US$ 96,5 milhões do GCF (Fundo Verde do Clima), e não é o maior do mundo, como já mostramos aqui – o pagamento por serviços ambientais iniciado em 1997 por Nova York para restaurar rios que abastecem a cidade já resultou em investimentos de US$ 1,5 bilhão.
O Floresta+ foi aprovado pelo fundo climático da ONU em fevereiro de 2019, e passou quase três anos sem sair do papel. Em dezembro de 2021, o governo iniciou um “teste do mecanismo de pagamento” que envolve apenas seis beneficiários, segundo nota publicada no site do projeto. “No total, seis agricultores e agricultoras que foram identificados e identificadas como elegíveis irão receber os recursos. A ação tem caráter piloto para testar o processo de implementação do mecanismo de pagamento aos beneficiários”, informa o texto. Agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia são o público-alvo do projeto.
O governo federal recebeu os US$ 96,5 milhões a partir de negociação iniciada em 2018, no governo Temer, por reduções de desmatamento ocorridas na gestão Dilma. O GCF é o fundo multilateral criado no âmbito do Acordo de Paris para financiamento de projetos que gerem benefícios ambientais globais relacionados à mudança do clima. É com essa mesma lógica – de pagamentos por resultados – que doadores como Noruega e Alemanha depositavam no Fundo Amazônia, paralisado desde 2019 pelo governo Bolsonaro.
Créditos de carbono – Em relação à afirmação de que o Brasil foi o “grande responsável pela criação do mercado global de créditos de carbono” na COP 26, o que o país fez em Glasgow, na verdade, foi não travar a discussão, como havia ocorrido na COP anterior, em Madri. Sob intensa pressão internacional no Reino Unido, o Brasil recuou. Na prática, o mercado global de créditos ainda não existe.
NDC – Joaquim Leite também afirma no artigo que o país realizou “avanços importantes” na conferência de Glasgow, citando as novas metas de reduzir 50% das emissões até 2030 e de neutralidade climática até 2050. Na verdade, o que o governo fez na COP 26 foi desfazer um retrocesso na meta anterior, apresentada por Salles em dezembro de 2020, o que devolveu a ambição brasileira em 2030 aos mesmos patamares indicados em 2015 pela então presidente Dilma Rousseff. O governo Bolsonaro foi processado por ter adotado uma meta climática que reduzia a ambição, violando o Acordo de Paris. Em relação às emissões, apesar das promessas, o Brasil foi o único país do G20 a aumentar os gases-estufa no ano de 2020, quando a pandemia fez a poluição cair em outros países.